Para o meu coração num domingo / Wislawa Szymborka

Bebendo um vinho

Olhou, me deu mais beleza
e eu a tomei como minha.
Feliz, ingeri uma estrela.

Permiti que me inventasse
à semelhança do reflexo
nos seus olhos. Danço, danço
em montes de asas súbitas.

A mesa é mesa, o vinho é vinho,
numa taça que é taça,
e cinzas são cinzas no cinzeiro cinza.
Já eu sou imaginária,
incrivelmente imaginária,
imaginária até a medula.

Falo do que ele quer: das formigas
que morrem de amor sob uma
constelação de dentes-de-leão.
Juro que uma rosa branca,
regada com vinho, canta.

Rio, inclino a cabeça
com cuidado como a conferir
uma invenção. Danço, danço
na minha pele espantada,
no abraço que me concebe.

Wislawa Szymborka

Poemas / Wislawa Szymborska

RETORNOS

Voltou. Não disse nada.
Mas estava claro que teve algum desgosto.
Deitou-se vestido.
Cobriu a cabeça com o cobertor.
Encolheu as pernas.
Tem uns quarenta anos, mas não agora.
Existe — mas só como na barriga da mãe
na escuridão protetora, debaixo de sete peles.
Amanhã fará uma palestra sobre a homeostase
na cosmonáutica metagaláctica.
Por ora dorme, todo enroscado.

Wislawa Szymborska

<!– /wp:paragraph