0145. Um medo

da janela do meu conforto prisão
contemplo o ébrio
a lutar contra si mesmo
cavalos param ao seu lado
fechando o quadro sul-real

o ébrio rola no chão
com sua infinita dignidade
proferindo a verdade inaudível
o espírito da baiana
passa a sua frente
e ele conversa com os cavalos
que já indignados de sua prosa,
vão-se embora para a lua

o ébrio fica a escuta-se
a falar consigo mesmo
pois na realidade só nós nos escutamos
quando isso ainda é possível
quando conseguimos
extirpar a existência dos outros
e nos tornamos audíveis a nós

somente num estágio hipnótico
como o deste ébrio
conseguimos nos escutar
neste momento aquele ébrio
é um dos únicos seres inteligentes
de toda a Terra
embora eu já o veja
esquálido e morto-vivo
sentado num futuro
dentro de uma igreja evangélica
com sua bíblia às mãos
decorando toda a moral humana antiga

Deixe uma resposta