0222. Mendelssohn e Flávia

escutava eu Concerto para Violino e Orquestra em Mi Menor
inebriava-me com a sua suave introdução
e sentia a música invadir meus poros
sobre seu frenético e difuso violino
de olhos fechados deixava o som percorrer meu corpo
quando uma imagem se inicia em minha mente
as notas traziam uma tez suave
um rosto de menina
construía-se aos poucos a imagem dela
uma certa aceleração na música
produzia cabelos negros ao voar do vento
qual seda de finíssima raridade
a volta da serenidade fazia-me mirar lábios
róseos lábios no negrume de meus olhos cerrados
e vislumbrava agora olhos vívidos
de um castanho da cor de um stradivarius
e o primeiro alegro se findava
com a entrada do segundo movimento
a imagem já se fazia sólida
e o tom intimista da sinfonia
trazia-me a tecer a alma que sentia
um tanto confusa como a música,
mas simples e bela
um ar de maturidade num manancial de pureza
e o violoncelo à mostrar-me a fragilidade,
quando soam-se os metais
e ouço o pranto, a dúvida e a certeza
creio escutar sus ais
a orquestra se acalma
chega-se ao final, Allegretto non troppo
de suavidade tal
somente igualável ao que imagem emana
e imagino-a mulher
e presenteio-a menina
o solo de clarineta
conduz-me à linha que une inocência e maturidade
de certa forma o som perfaz-se um espelho
e mirando a imagem
contemplo alguns de meus eus
a sinfonia vai acabando-se
mas imagem perdura ainda
Flávia,
como será que Mendelssohn preveu-te
décadas atrás?

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