e se eu estranhasse essas paredes?
o largo corredor
o quadro celeste em forma de trapézio do quintal
as três marias sempre ali
essa areia de praia solta no céu
que doura a mortalha azul profundo
e se eu estranhasse você?
essa que me apresenta outra e a mesma
numa metade da maciez dos tecidos
no travesseiro companheiro
você mesma que renasce
sem cabelos
e se você renascer alhueres?
e se eu estranhar as gatas, o cachorro?
e não conseguir levar a mão
aos pelos sedentos de carinho
e se eu estranhar o menino?
e se eu estranhar as plantas?
a espada-de-ogum, a samambaia
a jiboia, a dama-da-noite
a arruda, o manjericão, o gerânio
as bromélias, o boldo e a sem-nome
essas que eu plantei, reguei e conversei
e se eu me estranhar numa manhã de quarta-feira?
olho no olho no olho do olho que me vê
mirando nauseado a calça que não me é
a camisa que não me cabe
o trabalho que não me alcança
o sapato que não me entende
as pernas que me arrancam de mim
os óculos
o cabelo
a barba
a vida
e se eu estranhá-la?
me dá a mão, me abraça?