Ando pela rua com uma certa altivez, querendo que a mensagem do “não vão me matar” se entranhe em seus poros, mas dentro, meu peito, deambula cabisbaixo. Oscilo horrores, entre uma gargalhada despropositada, um sorriso amarelo cujo único verde poderia ser algum resquício de uma alface que não quis ir logo para o estômago e um profundo silêncio, amargurado, tenso, ansioso, aflito. Falo pouco, e quando nesse pouco, explodo. Só não afasto mais pessoas porque a maior parte que ainda se achega está proximamente oscilante o tanto quanto.
Me persegue uma paranoia: esse é dele, aquela também, aquele ali, nem se fala, aquela se incomoda apenas com a minha existência. No meu prédio sinto a tensão em cima, em baixo, aos lados, todos dele. Taguatinga já teve seu charme, hoje é só um amontoado de pessoas amarguradas com algo que sequer sabem botar pra fora realmente e que se apegam ao discurso dele como se fosse uma verdade inaudita.
Às vezes ligo a tevê, o celular e o computador, tudo ao mesmo tempo, na ânsia por uma resposta, por um horizonte, uma indicação, uma orientação. É um mar de lama intrafegável. Noutras vezes silencio tudo e de dentro do escuro do vazio, algo morde o centro do peito, fisga a alma e tudo se apequena e meu espaço de ação se reduz a nada que não seja apenas uma prisão mental pela prisão que se vislumbra.
Penso em ir à reunião, penso que não conseguirei falar qualquer coisa, penso no compartilhar da tensão e na pauta se desvirtuando numa miríade de desconexões sobre o que fazer, penso que não há o que fazer, penso na nossa “vitória”, penso no próximo golpe, penso no instante em que começou tudo isso, penso em não pensar em nada.
Algo explode por dentro de nós, me parece. Algo explode por dentro de quem o admira, me parece. Peitos de pessoas explodem, cabeças explodem às garrafadas, pessoas se acuam, explodidas. São tempos de explosão e um meteoro nunca explode.
Antigamente, eu pensava que deveria ter nascido em 1940 para poder ter lutado contra a ditadura, agora estou eu cá, nascido em 1982, vivendo este 2018, simplesmente sem saber como lutar. Mandar vídeos, frases, fotos, curtidas, estar aberto ao debate, tentar debater, preso em minha bolha. O mundo foi me encerrando dentro de mim e eu fui me acomodando.
Quando escrevi minha dissertação em 2012 era para o mundo ter se acabado – pode até ser que o tenha ocorrido de fato, ainda não sei – e naquele momento eu vislumbrava que esse universo de proto conexões e de pseudo debates políticos em rede ainda estaria por se consolidar, no arremedo de um freak totalitarismo-liberal, sem lastro de fiabilidade alguma. Agora estamos cá, vivendo o previsto. E minha mente não para de pensar que o que virá será ainda pior. E eu não tenho a mínima ideia do que fazer com isso.
Bem, eu sou mais antigo que o amigo. Já limpei caca de dinossauro, já joguei bolota em mamute. Então, já passei por tudo isso e a farsa continua a mesma. Os medíocres tomaram o Poder, se afeiçoaram a ele, é deles. E é uma época de bem-aventurança para os pacóvios: não precisa nem pensar, só mugir, só rosnar. Mas eu sempre pensei também que devemos olhar o formigueiro de cima, ocasião em que nós percebemos que o maior desejo deles, o maior anseio, é travar a mudança, é congelar e envelopar o tempo para que ele possam brincar em paz. Mas é ilusório (experimente olhar o formigueiro de cima…). Demora, mas vem; inquieta, mas sai. Um parto é inevitável. Mas como dói! A mudança. amigo, a mudança é inevitável. Abraço.
É bom ter um alento assim, meu caro, a vista de quem passou e cá está ajuda a dar uma brisa de ar. A imobilidade é uma característica dessa nossa era de dispositivos digitais, como se fosse possível a ação a partir da visualização, mas eu sinto que o momento pede movimento, a mudança já veio, só não tomou corpo. Por isso, estamos por aí, caçando propostas e tentando juntar. Se é pra meter o loko, tudo bem, a sombra que me move também me ilumina…