A tradição / Jericho Brown

Indústria do entretenimento

O terror de ver um filme
O tempo todo

Tenho que gritar a cada cena
Desviar e ficar abaixado
Blues do atentado a tiros

Quando me vir vindo
Se me vir correndo
Quando me vir correr
Corra também

Não tenho filhos
Porque teria que mandá-los para a
escola
O que não é seguro
qualquer

Plano de ter filhos
Blues do atentado a tiros

Quando me vir vindo
Se me vir correndo
Se for mais veloz que uma bala
Você também deve correr

Jericho Brown

Emocional – A nova neurociência dos afetos / Leonard Mlodinow

Gostei muito 🤓🤔👍🏽

Do aclamado autor de O andar do bêbado e Subliminar, uma jornada pela nova ciência das emoções

Durante muito tempo acreditamos que o pensamento racional era a influência dominante em nossos comportamentos. As emoções, por sua vez, seriam prejudiciais nas tomadas de decisão. Agora, graças ao enorme progresso das pesquisas em neurociência e psicologia, sabemos que a emoção é tão importante quanto a razão para orientar nossas escolhas e atitudes.

Mas o que é a emoção? Como nossas ideias sobre os sentimentos evoluíram? Como regular as emoções para utilizá-las a nosso favor? Estas são as grandes questões abordadas em Emocional, do brilhante físico Leonard Mlodinow, que nos orienta aqui por uma novíssima área de pesquisa: a neurociência afetiva.

De laboratórios de cientistas pioneiros a cenários do mundo real em que o domínio sobre as emoções foi decisivo para evitar uma tragédia, Mlodinow mostra o quanto essa revolução científica tem implicações significativas também na vida cotidiana, no tratamento de doenças, na compreensão das relações pessoais e em nossa percepção a respeito de nós mesmos.

LEONARD MLODINOW é doutor em física pela Universidade da Califórnia, Berkeley. Foi professor no Caltech, O Instituto de Tecnologia da Califórnia, e pesquisador no Instituto Max Planck, em Munique. Entre seus livros, traduzidos em mais de trinta países, estão os best-sellers O andar do bêbado, Subliminar e Elástico, lançados pela Zahar.

Teatro – Afasia

Nós tivemos um AVC e ficamos com uma sequela chamada afasia.

Queremos um espaço para nos expressar e pensamos em fazer uma peça de teatro.

A ideia é trabalhar junto a pessoas que sofreram AVC e estão em recuperação, que atuariam na peça.

Se você sofreu um AVC e tem interesse em contar como está vivendo essa experiência, junte-se a nós.

Precisamos de apoio. Venha colaborar conosco!!!


🤓❤️

Para o meu coração num domingo / Wislawa Szymborka

Bebendo um vinho

Olhou, me deu mais beleza
e eu a tomei como minha.
Feliz, ingeri uma estrela.

Permiti que me inventasse
à semelhança do reflexo
nos seus olhos. Danço, danço
em montes de asas súbitas.

A mesa é mesa, o vinho é vinho,
numa taça que é taça,
e cinzas são cinzas no cinzeiro cinza.
Já eu sou imaginária,
incrivelmente imaginária,
imaginária até a medula.

Falo do que ele quer: das formigas
que morrem de amor sob uma
constelação de dentes-de-leão.
Juro que uma rosa branca,
regada com vinho, canta.

Rio, inclino a cabeça
com cuidado como a conferir
uma invenção. Danço, danço
na minha pele espantada,
no abraço que me concebe.

Wislawa Szymborka

pausa – Matheus de Bezerra

LOMBRA FEIA

Você “tropicalizava” minha
vista
Com seus tons de areia
E apesar de não ser sereia
Quando entra no mar me
obriga a entrar também
Nosso beijo é um eclipse
Pros meus olhos de lua
cheia
Que aumentam a maré da
tua vênus
Nós dois temos vontades e
o mundo também
Não podemos por medo
deixar nosso amor pra
Semana que vem
Você estendeu sua canga
neon no meu peito
Prestes a apagar
E falando com minha
solidão disse que pretendia
ficar
Vem cá me tira dessa
lombra feia
Menina bonita
Que mora
Numa rua longe da minha
rua
Me tira dessa lombra feia
Menina bonita
Dança na minha vida
Vestida de nua
Vem cá me tira dessa
lombra feia
Vem cá me tira dessa
lombra feia
Vem cá me tira dessa
lombra feia
Vem cá me tira dessa
lombra feia
Você, encurtava o caminho
da tristeza
Com os seus atalhos
Dormia no meu imaginário
Pra acordar sonhos
bêbados de realidade e
Compensava minha falta
de paz
Com seu excesso de guerra
Derrubava impérios e
“Césas”
Você leva no rosto a minha
história do amor
E no espaço entre a gente o
medo das bombas que ele
deixou
Confundimos pássaros e
pipas com os nossos olhos
em brasa
E aplicamos o mesmo
conceito de livre pra linhas
e asas
Eu carrego as sementes
que você me deu pelos
fundos do bolso
Pra florir minhas tristezas
durante as passagens no
fundo do poço
Mesmo insosso dou minhas
mordidas em planos que fiz
pra mudar
Com você pra um planeta
onde a finalidade do tempo
é parar
Vem cá me tira dessa
lombra feia
Menina bonita
Que mora
Numa rua longe da minha
rua
Me tira dessa lombra feia
Menina bonita
Dança na minha vida
Vestida de nua
Vem cá me tira dessa
lombra feia
Vem cá me tira dessa
lombra feia
Vem cá me tira dessa
lombra feia
Vem cá me tira dessa
lombra feia

O inventário das coisas ausentes / Carola Saavedra

“Você quase não me toca, ela diz, mas é claro que eu te toco, e automaticamente coloco minha mão sobre seu rosto, deslizo a ponta dos dedos na pele fina do rosto, o alto da testa, a têmpora, a lateral que termina no queixo, boca. Ela se afasta. Eu quase não a toco, o corpo de Nina. O constante envelhecer do corpo de Nina. Como um espelho. Eu que fujo dos espelhos todos os dias, apenas para fazer a barba, passar os dedos entre os cabelos, escovar os dentes, eu quase não me olho, mas vejo o corpo de Nina, eu olho e vejo o corpo e o tempo no corpo de Nina. Os seios, as coxas, as costas, e até mesmo a curva da cintura, até mesmo ali o tempo que passa escancarado, ela diz, você quase não me toca, e eu quero dizer, Nina, eu não posso tocar o tempo que passa assim tão escancarado no teu corpo, você entende?, eu quero dizer, eu não posso tocar esse tempo em teu corpo no meu, você entende?, Nina tem vontade de gritar e ir embora e nunca mais me ver, nunca mais voltar, nunca mais dormir ao meu lado, eu muito longe no outro extremo da cama, jamais um carinho, uma braço, nem mesmo a mão que se estende em busca do outro, da presença do outro. Nina tem vontade de me dizer coisas horríveis, vontade de me bater, de me afastar, mas Nina não diz nada, eu adormeço.”

Texto que me toca como um soco… O inventário das coisas ausentes, ótimo livro!

A estranha ordem das coisas / Antonio Damasio

“Tais considerações nos levam a outra parte importantedo surgimento em ordem tão estranha da mente,sentimentos e consciência, uma parte que é sutil e fácilde passar despercebida. Ela se relaciona à noção de quenem partes dos sistemas nervosos nem cérebros inteirossão os únicos fabricantes e provedores de fenômenosmentais. É improvável que fenômenos neurais pudessem, sozinhos, produzir os alicerces funcionaisnecessários a tantos aspectos da mente, e certamente éverdade que eles não poderiam ter esse papel quandofalamos em sentimentos. É preciso que haja umainteração muito próxima entre os sistemas nervosos e asestruturas não nervosas dos organismos. As estruturasneurais e não neurais não são apenas contíguas, masparceiras contínuas, interativas. Não são entidadesdistantes que sinalizam umas para as outras como chipsem um telefone celular. Em palavras simples: corpos ecérebros estão na mesma sopa capacitadora.

Inúmeros problemas da filosofia e da psicologia podemcomeçar a ser investigados produtivamente assim que asrelações entre “corpo e cérebro”passarem a ser vistas sob essa nova ótica. O entranhadodualismo que começou em Atenas, teve Descartes comoavô, resistiu às investidas de Espinosa e foi avidamenteexplorado pelas ciências da computação é uma posiçãocujo tempo já passou. Precisamos agora de uma novaposição que seja biologicamente integrada.”

Lupa da alma / Maria Homem

“… nunca ficou tão claro que o outro é parte fundamental do Eu, vivendo esse Eu sozinho ou com alguém. Parece complicado mas não é: não escapamos do outro de jeito nenhum. Ele pode ser real ou imaginário, uma pessoa ou um ideal. Normalmente é tudo isso misturado. Como diria Lacan, nó borromeano, que entrelaça o real, o simbólico e o imaginário. De qualquer forma, que façamos os nós que possamos sustentar e desamarrar.”

Maria Homem

Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos / Zygmunt Bauman

“Se os outros me respeitam, então obviamente deve haver “em mim” — ou não deve? — algo que só eu lhes posso oferecer. E obviamente existem esses outros — não existem? — que ficariam satisfeitos e gratos por isso lhes ser oferecido. Eu sou importante e o que penso e digo também é. Não sou uma cifra, facilmente substituída e descartada. Eu “faço diferença” para outros além de mim. O que digo e sou e faço tem importância — e isso não é apenas um vôo da minha fantasia. O mundo à minha volta seria mais pobre, menos interessante e promissor se eu subitamente deixasse de existir ou fosse para outro lugar.

Se é isso que nos torna objetos legítimos e adequados do amor-próprio, então a exortação a “amar o próximo como a si mesmo” (ou seja, ter a expectativa de que o próximo desejará ser amado pelas mesmas razões que estimulam nosso amor-próprio) evoca o desejo do próximo de ter reconhecida, admitida e confirmada a sua dignidade de portar um valor singular, insubstituível e não-descartável. A exortação nos leva a pressupor que o próximo de fato representa esses valores — ao menos até prova em contrário. Amar o próximo como amamos a nós mesmos significaria então respeitar a singularidade de cada um — o valor de nossas diferenças, que enriquecem o mundo que habitamos em conjunto e assim o tornam um lugar mais fascinante e agradável, aumentando a cornucópia de suas promessas.”

Zygmunt Bauman

Poesia completa / Maya Angelou

Presciência

Se eu soubesse que o coração
quebra lentamente, se desmantela
em pedaços irreconhecíveis de
miséria,

Se eu soubesse que o coração vazaria,
babando sua seiva, com uma visibilidade
vulgar, sobre as salas de jantar enfeitadas de estranhos,

Se eu soubesse que a solidão poderia
sufocar a respiração, afrouxando
e forçando a língua contra o
o céu da boca,

Se eu soubesse que a solidão formaria
queloides, enrolando-se pelo
corpo como uma cicatriz sinistra
e bela,

Se eu soubesse, ainda teria amado
você, sua beleza impetuosa e insolente,
seu rosto exageradamente cômico
e o seu conhecimento de doces
prazeres,

Mas a distância.
Teria deixado você inteiro e completo
para o divertimento daquelas que
desejassem mais e se importassem menos.

Maya Angelou

O corpo encantado das ruas / Luiz Antônio Simas

AZEITE DE DENDÊ NO CARNAVAL

Luiz Antônio Simas

“Exu que tem duas cabeças, ele faz sua gira
com fé
Exu que tem duas cabeças, ele faz sua gira
com fé
Uma é Satanás do inferno outra é de Jesus Nazaré
Uma é Satanás do inferno a outra é de Jesus
Nazaré.”
– Ponto de Exu

AS RUAS no carnaval são exemplarmente exusíacas. Exu é aquele que vive no riscado, na brecha, na casca da lima, malandreando no sincopado, desconversando, quebrando o padrão, subvertendo no arrepiado do tempo, gingando capoeiras no fio da navalha. Exu é o menino que colheu o mel dos gafanhotos, mamou o leite das donzelas e acertou o pássaro ontem com a pedra que atirou hoje; é o subversivo que, quando está sentado, bate com a cabeça no teto e em pé não atinge sequer a altura do fogareiro. Ele é chegado aos fuzuês da rua. Adora azeite de dendê. Mas não é só isso e pode ser o oposto a isso.

Um longo poema da criação diz que, certa feita, Exu foi desafiado a escolher, entre duas cabaças, qual delas levaria em uma viagem ao mercado. Uma continha of bem, a outra continha o mal. Uma era remédio, a outra era veneno. Uma era corpo, a outra era espírito. Uma era o que se vê, a outra era o que não se enxerga. Uma era palavra, a outra era o que nunca será dito.

Exu pediu uma terceira cabaça. Abriu as três e misturou o pó das duas primeiras na terceira. Balançou bem. Desde este dia, remédio pode ser veneno e veneno pode curar, o bem pode ser o mal, a alma pode ser o corpo, o visível pode ser o invisível e o que não se vê pode ser presença. O dito pode não dizer e o silêncio pode fazer discursos vigorosos. A terceira cabaça é a do inesperado: nela mora a cultura.

Gosto do carnaval de rua e das libações comandadas por Exu. Sou adepto da subversão pela festa. Carnaval de rua é possibilidade: pode ser festa de inversão, confronto, lembrança e esquecimento. É período de diluição da identidade civil, remanso da pequena morte, reino da máscara, fuzuê do velamento necessário. Eventualmente, sai porrada.

O carnaval exusíaco é o do não
endereço, do rumo perdido, da rua esquecida, da esquina incerta. Em tempos de escancaramento das redes sociais, tem gente que quer ser encontrada no carnaval. É um tal de dizer “onde estou”, “qual é a minha fantasia”, “olhem como estou me divertindo”, “que foto bacana”. Brincar é o de menos; fundamental é que as pessoas saibam, em tempo real, que o folião está brincando. Na rua, espaço de subversão do cotidiano, a folia deveria ser o mar aberto do ébrio pirata de nau sem rumo. O carnaval, festa do “me esqueçam”, vira a festa do “me encontrem, me vejam, me curtam”. Para alguns, é a festa do “me patrocinem”. Sinal dos tempos e despotência da força exusíaca do babado. Sem dendê, a rua morre. Olho vivo, rapaziada.

Desfile de escola de samba, cada vez é mais cheio de regras, é carnaval oxalufânico. Oxalufã é o orixá que tem como positividade a paciência, o método, a ordem, a retidão e o cumprimento dos afazeres predeterminados. Tudo que contrário a isso representa a negatividade que pode prejudicar seus filhos. Diz um mito de Ifá que, quando se desviou da missão a ser executada e tomou um porre de vinho de palma, Oxalufã quase comprometeu a própria tarefa da criação do mundo. Em outra ocasião, quando também tentou agir por instinto teimosia, deixando de seguir a recomendação do oráculo e de dar oferendas para Exu, Oxalufã foi preso durante uma viagem, acusado injustamente pelo furto de um cavalo. Curtiu uma cana de sete anos. Deve evitar o azeite de dendê, que o tira do prumo.

O problema é que esse perfil oxalufânico anda excessivo entre as escolas de samba. A disciplina, a regra, O engessamento dos desfiles, o controle rígido das performances podem representar a perda da capacidade de renovação e o descolamento entre as agremiações e a cidade. Oxalufã precisou de Exu para cumprir a sua missão na criação do mundo.

Alguma dose de oxalufânico pode fazer bem ao que é exusíaco; contanto que não o domine e impeça seu movimento. Alguma dose de exusíaco pode fazer um bem enorme ao que é predominantemente oxalufânico, para que ele se movimente. Quando um princípio, todavia, prevalece no terreno do outro e desequilibra a vitalidade de determinada potência, a chance de a vaca ir para o brejo é grande. Saber a medida certa do dendê é o nosso desafio na receita momesca. Carnaval, como diria o Zé Pereira, é vida na rua.

4179. Transferência

A paz tá esperando calma.
O chá tem uma história sobre recomeçar de novo.
A minha reabilitação é uma rica memória,
fumaça de fogo em ondas sísmicas,
diz representar algo parecido com o estado consciente dos afetos.
Morte, dor afiada ou doença, mas ainda atrás do pôr do sol.
A toada vem é pelo vento,
estrela acesa.

Mais longa vida / Marina Colasanti

 

Num único ponto

 

O peso do verão

esmaga nessa encosta

as oliveiras.

Não há sombra

nas sombras

luz mais densa somente

e o fervilhar de insetos.

Na erva alta

uma laranja dorme já à deriva

abandonando ao chão

sumos azedos.

O jardim se submete

à mão do sol.

Só o lagarto

entrefechados olhos

se expõe à luz como se expõe a pedra

escuro e impenetrável.

Num único ponto avista-se vida

entre peito e garganta

onde sangue palpita.

 

Marina Colasanti

O que o cérebro tem para contar / V. S. Ramachandran

ATÉ AGORA EU os conduzi por uma viagem evolucionária que culminou na emergência de duas habilidades humanas: linguagem e abstração. Mas outro traço da singularidade humana intrigou os filósofos durante séculos – a saber, a ligação entre a linguagem e o pensamento sequencial, ou raciocínio em passos lógicos. Podemos pensar sem verbabilização interna silenciosa? Já discutimos a linguagem, mas precisamos ser claros em relação ao que entendemos por pensar antes de tentar nos atracar com esta questão. Pensar envolve, entre outras coisas, a capacidade de se engajar com manipulação irrestrita de símbolos em nosso cérebro seguindo certas regras. Em que grau essas regras estão relacionadas às da sintaxe? O termo-chave aqui é “irrestrito”.

Para compreender isso, pense numa aranha tecendo uma teia e pergunte a si mesmo: terá a aranha conhecimento da lei de Hooke relativa à tensão de fios esticados? A aranha deve“saber” disso em certo sentido, de outro modo a teia se desintegraria. Seria mais preciso dizer que o cérebro da aranha tem um conhecimento tácito, em vez de explícito, da lei de Hooke? Embora a aranha se comporte como se conhecesse essa lei – a própria existência da teia atesta isso –, seu cérebro (sim, a aranha tem um) não tem nenhuma representação explícita dela. Ela não pode usar a lei para nenhum outro propósito a não ser tecer teias e, de fato, ela só pode tecer teias segundo uma sequência motora fixa. Isso não é verdade acerca de um engenheiro humano que utiliza conscientemente a lei de Hooke, que aprendeu e compreendeu a partir de livros de física. A utilização humana da lei é irrestrita e flexível, disponível para um número infinito de aplicações. Ao contrário da aranha, ele tem uma representação explícita de seu funcionamento em sua mente – o que chamamos de compreensão. A maior parte do conhecimento do mundo que possuímos recai entre esses dois extremos: o conhecimento irracional de uma aranha e o conhecimento abstrato do físico.

O que entendemos por “conhecimento” ou “compreensão”? E como bilhões de neurônios os alcançam? Essas coisas são completos mistérios. Reconhecidamente, os neurocientistas cognitivos ainda são muito vagos no tocante ao significado exato de palavras como“compreender”, “pensar” e, de fato, da própria palavra “significado”. Mas o trabalho da ciência é encontrar respostas passo a passo por meio de especulação e experimento. Podemos abordar alguns desses mistérios de modo experimental? Por exemplo, o que dizer sobre a relação entre linguagem e pensamento? Como poderíamos explorar experimentalmente a elusiva interface entre esses dois elementos?” (p. 153-154)

Poemas / Wislawa Szymborska

RETORNOS

Voltou. Não disse nada.
Mas estava claro que teve algum desgosto.
Deitou-se vestido.
Cobriu a cabeça com o cobertor.
Encolheu as pernas.
Tem uns quarenta anos, mas não agora.
Existe — mas só como na barriga da mãe
na escuridão protetora, debaixo de sete peles.
Amanhã fará uma palestra sobre a homeostase
na cosmonáutica metagaláctica.
Por ora dorme, todo enroscado.

Wislawa Szymborska

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4178. A angústia de um afásico

Um momento que não vai mudar tudo.

(lânguido: desprovido de energia)

Preciso pensar no mundo real.

(inerte: sem atividade ou movimento próprios)

O poeta é um fetichismo baseado na palavra.

(cansado: desprovido de objetividade)

A metamorfose está na inconstância da última hora dizendo que está disponível.

(prostrado: sem ânimo)

Então, quebrar essa percepção das coisas enquanto, desacelerar.

POESIA E PROSA SELECIONADAS / WILLIAM BLAKE

Provérbios do Inferno

No tempo de semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.
Conduz teu carro e teu arado sobre a ossada dos mortos.
O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria.
A prudência é uma rica, feia e velha donzela cortejada pela Impotência.
Aquele que deseja e não age engendra a peste.
O verme perdoa o arado que o corta.
Imerge no rio aquele que ama a água.
O tolo não vê a mesma árvore que o sábio vê.
Aquele cuja face não fulgura jamais será uma estrela.
A Eternidade anda enamorada dos frutos do tempo.
À laboriosa abelha não sobra tempo para tristezas.
As horas de insensatez são medidas pelo relógio, as de sabedoria, porém, não há relógio que as meça.
Todo alimento sadio se colhe sem rede e sem laço.
Toma número, peso & medida em ano de míngua.
Ave alguma se eleva a grande altura, se se eleva com suas próprias asas.
Um cadáver não revida agravos.
O ato mais alto é priorizar o outro.
Se o tolo persistisse em sua tolice, sábio se tornaria.
A tolice é o manto da malandrice.
Prisões se constroem com pedras da Lei; Bordéis, com tijolos da Religião.
A vanglória do pavão é a glória de Deus.
O cabritismo do bode é a bondade de Deus.
A fúria do leão é a sabedoria de Deus.
A nudez da mulher é a obra de Deus.
Excesso de pranto ri. Excesso de riso chora.
O Rugir de leões, o uivar dos lobos, o furor do mar em procela e a espada destruidora são fragmentos de eternidade, demasiado grandes para o olho humano.
A raposa culpa o ardil, não a si mesma.
Júbilo fecunda. Tristeza engendra.
Vista o homem a pele do leão, a mulher, o velo da ovelha.
O pássaro um ninho, a aranha uma teia, homem amizade.
O tolo, egoísta e risonho, & tolo, sisudo e tristonho, serão ambos julgados sábios, para que sejam exemplo.
O que agora se prova outrora foi imaginário.
O rato, o camundongo, a raposa e o coelho espreitam as raízes: o leão, o tigre, o cavalo e o elefante espreitam os frutos.
A cisterna contém: a fonte transborda.
Uma só ideia impregna a imensidão.
Dize sempre o que pensas e o vil te evitará.
Tudo em que se pode crer é imagem da verdade.
Jamais uma águia perdeu tanto tempo como quando se dispôs a aprender com a gralha.
A raposa provê a si mesma, mas Deus provê ao leão.
De manhã, pensa. Ao meio dia, age. Ao entardecer, come. De noite, dorme.
Quem consentiu que dele te aproveitasses, este te conhece.
Assim como o arado segue as palavras, Deus recompensa as preces.
Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução.
Da água estagnada espera veneno.
Jamais saberás o que é suficiente, se não souberes o que é mais suficiente.
Ouve a crítica do tolo! é um direito régio!
Os olhos de fogo, as narinas de ar, a boca de água, a barba de terra.
O fraco em coragem é forte em astúcia.
A macieira jamais pergunta à faia como crescer; nem o leão ao cavalo como apanhar sua presa.
Quem reconhecido recebe, abundante colheita obtém.
Se outros não fossem tolos, seríamos nós.
A alma imersa em deleite jamais será maculada.
Quando vês uma guia, vês uma parcela do Gênio; ergue a cabeça!
Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para pôr seus ovos, o sacerdote lança suas maldições sobre as alegrias mais belas.
Criar uma pequena flor é labor de séculos.
Maldição tensiona: Bênção relaxa.
O melhor vinho é o mais velho, a melhor água, a mais nova.
Orações não aram! Louvores não colhem!
Alegrias não riem! Tristezas não choram!
A cabeça, sublime; o coração, Paixão; os genitais, Beleza; mãos e pés, Proporção.
Como o ar para o pássaro, ou o mar para o peixe, assim o desprezo para o desprezível.
O corvo queria tudo negro; a coruja, tudo branco.
Exuberância é Beleza.
Se seguisse os conselhos da raposa, o leão seria astuto.
O Progresso constrói caminhos retos; mas caminhos tortuosos sem Progresso são caminhos de Gênio.
Melhor matar um bebê em seu berço que acalentar desejos irrealizáveis.
Onde ausente o homem, estéril a natureza.
A verdade jamais será dita de modo compreensível, sem que nela se creia.
Suficiente! ou Demasiado.

Os Poetas antigos animaram todos os objetos sensíveis com Deuses e Gênios, nomeando-os e adornando-os com os atributos de bosques, rios, montanhas, lagos, cidades, nações e tudo quanto seus amplos e numerosos sentidos permitiam perceber.
E estudaram, em particular, o caráter de cada cidade e país, identificando-os segundo seu deidade mental;
Até que se estabeleceu um sistema, do qual alguns se favoreceram, & escravizaram o vulgo com o intento de concretizar ou abstrair as deidades mentais a partir de seus objetos: assim começou o sacerdócio;
Pela escolha de formas de culto das narrativas poéticas.
E proclamaram, por fim, que os Deuses haviam ordenado tais coisas.
Desse modo, os homens esqueceram que todas as deidades residem no coração humano.

Por Willian Blake

Uma biografia da depressão / Christian Dunker

SAÚDE MENTAL

Christian Dunker: Neoliberalismo e depressão à brasileira

Segundo psicanalista Christian Dunker, discursos neoliberais de meritocracia — em que sucesso e fracasso tendem a ser individualizados — e crise dos últimos anos em que os horizontes prometidos deixaram de ser cumpridos ajudam a agravar o quadro geral do transtorno no Brasil

Por Redação RBA

Publicado 21/03/2021 – 10h34

São Paulo – A depressão é um problema sério no Brasil. De acordo com dados da OMS, a Organização Mundial da Saúde, a doença afeta 5,8% da população, um índice maior do que a média mundial de 4,4% e a maior da América Latina. Para falar sobre esse tema, o programa O Planeta Azul conversou com o psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP Christian Dunker, que acabou de lançar o livro Uma Biografia da Depressão, pela Editora Planeta.

No livro, Dunker narra como a depressão, que por muitas décadas ocupou uma posição menor entre os transtornos mentais, se tornou, a partir dos anos 1970, a grande protagonista dos discursos sobre o sofrimento psíquico.
De olho nesse fenômeno, o professor da USP resolveu esmiuçar as origens, a história e o contexto atual da depressão. Ele encontrou diversas explicações contemporâneas para o agravamento do transtorno: dos discursos neoliberais de meritocracia — em que sucesso e fracasso tendem a ser individualizados — à crise dos últimos anos em que os horizontes prometidos deixaram de ser cumpridos. Deparou-se também com questões como a ascensão do neopentecostalismo, com igrejas vendendo a ideia de prosperidade.

Ao longo do livro, Christian Dunker refaz os passos genealógicos do transtorno a partir dos conceitos da tristeza e da melancolia para mostrar que a depressão é “um nome demasiado pequeno para tantas formas, que reúne coisas que não andam juntas”. O autor faz uma viagem no tempo para mostrar que o surgimento da depressão é contemporâneo ao romantismo nas artes e que sua estabilização como quadro clínico acompanha o modernismo nas artes visuais.

Dunker concorda que as redes sociais contribuem para, ao expor imagens e histórias perfeitas, agravar a depressão. Mas reconhece também o seu papel positivo. “Não devemos demonizar as redes sociais. Porque elas estão fornecendo práticas de reconexão de contato e de narrativização de sofrimento, isso tudo está disponível”, diz ele.

https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/ planeta-azul/2021/03/neoliberalismo-depressao-christian-dunker/

Bitcoin – A utopia tecnocrática do dinheiro apolítico / Edemilson Paraná

https://play.google.com/store/books/details?id=8VzwDwAAQBAJ

Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico

Acervo Online | Mundo
por Rodrigo Santaella Gonçalves
17 de março de 2022

Confira resenha do livro de Edemilson Paraná, Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico (Autonomia Literária, 2020)

O livro busca captar, a partir de uma análise acurada sobre o bitcoin, aspectos fundamentais da dinâmica do capitalismo em sua forma neoliberal, no contexto de sua crise contemporânea. Se em Finança Digitalizada (2016) Edemilson Paraná analisou a relação entre o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação e a reconfiguração do capitalismo contemporâneo, sobretudo no aspecto referente à intensificação do processo de financeirização da economia mundial, em Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico, a criptomoeda aparece como um sintoma dessa dinâmica, como um produto de sua instabilidade estrutural. Concebida com uma radicalidade utópica das ideias que fundamentam o neoliberalismo, a criptomoeda entra em choque com o neoliberalismo do establishment, aquele “realmente existente”, e, nesse cenário, traz luz às contradições estruturais dessa forma de funcionamento do capitalismo.

Com uma análise marxista do bitcoin, o autor oferece uma definição precisa da criptomoeda, que contém em si a explicação para muitos de seus limites: o bitcoin não representa a superação da política no que diz respeito à administração monetária porque, justamente pelas características que são aventadas como propulsoras dessa superação, ele não cumpre as tarefas às quais se propõe. Em vez de substituir o dinheiro mundial, tem baixo volume e alcance de circulação; em vez de produzir estabilidade monetária, é altamente instável por causa do seu papel como ativo especulativo; e, por fim, em vez de garantir uma tutela descentralizada, a concentração de poder relativa entre seus usuários só cresce.

A crítica aos limites da criptomoeda e à crença em soluções puramente técnico-científicas para os problemas do capitalismo não significa uma perspectiva tecnofóbica ou conservadora. O livro discute e deixa em aberto a possibilidade do uso de algumas das tecnologias presentes no bitcoin – especialmente o blockchain – a serviços de interesses populares e até de perspectivas revolucionárias. Se isso será possível, não sabemos: a única certeza, reforçada pelo livro, é a de que qualquer transformação social relevante passa por novos valores, novos mecanismos de decisão democrática, por outra forma de organização socioeconômica e por outra relação do Estado com a sociedade. Fora dessas perspectivas, qualquer bravata que defenda a ideia de que é possível atingir mudanças relevantes a partir de soluções “apolíticas” ou puramente tecnológicas, como o bitcoin, fracassará.

A leitura de Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico é imprescindível não só para aqueles que querem entender o funcionamento e as perspectivas relacionadas à criptomoeda, mas sobretudo para todo o público que busca compreender melhor – a partir de elementos concretos – a dinâmica do capitalismo contemporâneo.



Rodrigo Santaella Gonçalves é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará. E-mail: rodrigo.santaella@ifce.edu.br.