Ela estava ali, sentada numa cadeira de plástico, debruçada sobre uma mesa redonda de plástico, debaixo de um guarda-sol. Seu corpo todo protegia uma caderneta contra qualquer contato com o mundo, como se ali morasse um segredo incomensurável, impossível de ser posto para qualquer ser que não ela. Parecia que escrevia algo na caderneta.
Caía uma luz suave, de nove horas da manhã, uma luz molhada pela umidade das folhas que ainda guardavam os segredos de uma torrencial noite passada. Aquela luz amarelada, enverdecida, líquida, pousava por sobre partes dela. A sombra do guarda-sol não a abarcava plenamente e uma fresta de luz que traspassava folhas e galhos da sibipiruna parada acima da cena, tocava um pedaço de sua coxa e subia até sua cintura. Era como se os raios de sol compusessem uma tatuagem luminosa em seu corpo.
A olhava detidamente, mas com cautela, não queria pousar um olhar opressor de desejo viril por sobre ela, não queria sequer que ela notasse que eu a olhava. Queria apenas olhar aquela cena, na qual ela se situava. Quando ela entortou um pouco a cabeça para o meu lado e mordeu com os dentes da frente a ponta de uma caneta bic, calmamente iniciei um processo de percorrer o meu olhar para longe dela. Sem baque, sem agressividade, sem ansiedade, apenas percorrer o resto da cena que ela, ali, compunha.
O foco não era ela, era a cena.
Beberiquei meu café já morno, adentrei nos meus olhos, molhei a vista sem um motivo e a cena embaçou, ficou marejada. Respirei suspirando e pareceu quase um soluço, um erro do ar não saber o quanto entra ou sai, um vacilo do peito por ser acometido pela surpresa de querer mais ar do que a expectativa corporal havia combinado. Fechei os olhos, e deixei aquela viscosidade quente preencher em tom ferruginoso a escuridão das minhas pálpebras cerradas. Por que chorava, nunca saberia. Porque nunca me deixaria saber.
Uma fresta de sol já me queimava a cara, secava as lágrimas que habitaram a moldura dos meus olhos: minhas olheiras infinitas. Abri os olhos e fui à xícara, na ânsia por conseguir o último gole frio de café e descobri que não havia mais café, que me esquecera que já havia bebido todo o café. Suspirei de verdade. Quando voltei à cena, vi que ela que lá paisageamava, me olhava. Cena olhava cena. Ela acenou com a cabeça, correspondi com um leve levantar de mão, cadenciei os dedos.
Uma manhã que nos bastava. De fato, poesia atrai poema, e sempre há alguém a nos contemplar enquanto beleza, lonjura, infinito. Fechei os olhos mais uma vez, fiquei ali bebendo sol, enfiando luz nos meus poros. Abri os olhos, ela já não estava na cena.
Dia após dia, a dialética das inspirações. Há dialética nas inspirações. Suspirei fundo, fui trabalhar.
É a poesia, é o amor de quem gosta de admirar obras de arte naturais: a beleza da mulher, a beleza da natureza.