Era um vento constante. Não só vento, pois era mesmo uma ventania. Não parava. Começara num domingo de agosto. Fora uma lufada morna carregada de poeira vermelha. Quem a sentiu pela primeira vez, não se atinou de que ela não acabaria. Já havia três meses desde que o vento começara e não passara. Pouca gente percebia que a ventania era incesante, já havia algo de natural, afinal, naqueles tempos, qualquer desvio da normalidade entrava logo no rol do costumeiro. Mesmo Dona Eulália que passava pano na casa de hora em hora não tinha tomado tino.
A coisa foi se assomando no decorrer do tempo e do vento. Já não se sabia o que era um ou outro, pois que tinham ambos a mesma toada e o mesmo carregar, a poeira que se conduzia em ambos, por dentro de ambos e começava a cobrir tudo por ali. Como tanto quanto era ventania, além de vento, o próprio tempo que a conduzia ao se conduzir, ganhou outra tez diante da cara que já tivera. Era um transcorrimento avolumado, como o vento a correr. O tempo era o vento, e rápido, ganhava tudo, passava imperceptível e irreconhecível, mas veloz, mais veloz.
Poderia ser destino, tudo coberto pelo pó que vinha junto ao vento e ao tempo, mas não se conformava enquanto apenas e uma fina camada cobre ia tomando tudo, vindouro dilúvio de grãos. Dona Eulália já desistira inclusive dos artifícios da vassoura, espanador, pano sobre o pó e via apenas o tempo se aglutinando voraz junto ao pó que vinha com o vento. Sentada à cadeira de balanço de treliça de cordão, balançava na cadência de um tempo que passava como a constatação das dunas.
Afrânio também identificava que a poeira se acumulava ao largo de tudo. Ali no departamento já havia uma crosta de poeira, não mais uma fina camada. Sentado em sua cadeira de repartição, de frente ao computador, a crosta já atingia mais da metade da canela, nada o demovia ao estranhamento conquanto ainda houvesse a posibilidade de se locomover até o café, mas tudo se alinhava no transcorrimento do vento e do tempo, que mesmo o soterramento iminente não chocava nem afligia.
Quando a coisa vem num contínuo intenso, grave, rápido, mas travestido de normalidade, vento, tempo, tudo se capitula. Não há desentendimento, não há preocupação, só percepção, como as árvores sentem as cascas descamando a cada alternância entre a seca e a chuva, impávidas e existentes. Ou talvez não, talvez a impercepção é o que houvesse, como os autômatos que existem computando as esferas já programadas.
Só sei que naqueles dias de tempo e vento, em que tudo se encobriu de poeira, o que sobrou foi uma vida sussurrando sufocada, onde tudo se encobria, desatinadamente.