Quando a moça branca de sardas bem desenhadas pela fronde rósea perguntou-lhe sobre a forma de chegar ao Saco do Guapereta, Gervásio, ao lado da turista perguntadora, respondeu-lhe gentilmente que era só seguir até o último ponto dessa linha que ia para a Vila do Velório e, por detrás da Igreja Matriz, chegar à trilha que culminaria no saco, mas não sem antes percorrer-lhe a mente inteiros travestidos de clarões, pedras de corisco por dentro da cabeça, pedras de Santa Bárbara feitas nos meios do anuviado da memória e ela toda fazer-se ali, tantos anos já passados, tantos sóis contornados a pretear mais a pele, e ela ainda assim ali, intacta: Ana Luíza que luzia sua lembrança em brasa, mulata fogoió dourada das areias do mar, o bico do peito roxo tonteando as pintas ferrugens no colo dos seus beijos, o avolumado dos seus quadris engalfinhado nas ancas largas e proporcionado nas panturrilhas redondas, esculpida no meio da areia do mar, ela ali mais a dourar, estirada sobre a esteira de palha, a Praia da Preta vazia que só cheia deles dois, ele teso como quem prestes a explodir num toque macio, ela ouriçada com a mão na vulva chamando, me come, vai, e o Saco do Guapereta subindo a temperatura acima da margem de segurança para uma quarta de outubro, dia de feira. Veio-lhe assim tudo isso num repente profundo e num lapso de cinco segundos, ao que a turista rosa agradeceu-lhe, muito obrigada e Gervásio subiu aos céus de dentro do ônibus, seu corpo como que nem peso houvesse, só praia e areia espalhada, espraiada pelo ar, flutuoso movimento de quentura e Ana Luíza, todos vendo pasmos em suas janelas dentro do ônibus Gervásio explodindo em mil fragmentos de ferrugens pelo ar. Naqueles fins, o arrebatamento era algo que ninguém entendia.
Arrebatamento
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