Na realidade… Enfim…

Era um quadro fácil: duas loucuras postas no chão. Duas faces desarmadas de razão e quietas em suas verdades. Só havia a luz opaca das velas e uma penumbra leve que amainava uma tensão outrora havida, mas que por hora era somente a ávida constatação de algo rompido com um beijo.

Duas loucuras antagônicas deitadas no chão. O rapaz em mangas de camisa e a moça com uma revelação já pressentida. O rapaz com face de novelo de lã negra e a moça com a cerveja presa em suas mãos. Um quadro fácil, despretensioso. A fumaça dos cigarros rompia a velocidade dos minutos e prostrava a realidade uma languidez, uma lentidão e uma sensualidade tais, que a penumbra parecia acolher tudo o que merecia existir.

Na penumbra havia o umbral para outro necessário beijo. Em cada necessidade atingida, o anseio de que mais outra viesse a ser transpassada. Cada beijo era uma existência tal que transformava as loucuras ao menor estalar dos lábios, ao menor toque dos devires labiais.

Um quadro bem fácil. Ele conduzia sua inexistência a um patamar não previsível. Ela dava forma a inexistência dele e se compadecia de sua dor. E quando o lirismo da madrugada os apanhou de cheio, a loucura pôde fluir tranqüila, sem receios, apenas o elemento mais necessário do quadro. Era a loucura dele sobre as coxas dela e a loucura dela a desenhar caminhos nas costas dele.

Foi durante o sono e por meio da linguagem dos sonhos que a inteligibilidade das loucuras fez-se menos necessária e mais sensível. O braço do braço na barriga da mão do colo outro era mais do que razão, muito mais do que uma condição inerte proposta por duas loucuras, mas a liberdade de uma existência condicionada: inexistir como sombras projetas pela luz de uma vela.

O quadro compunha-se assim, bem fácil. Duas loucuras feitas ao chão, imiscuídas as partes, entremeadas as bocas, lentamente iluminadas. Era a confissão dos sentidos a lhes dar a proposição: sair das sombras e ganhar forma. Na realidade… Enfim… Existir.

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