0321. De hiena a homem

Era uma vez um leão que morfara-se em hiena
Uma sádica hiena que devorava a si
Começava pela cauda, depois pelas patas
E ia se consumindo numa savana
Longe, afim de que ninguém o visse
Acontece que por ali voava uma águia
Uma águia que fora já borboleta
E ela fitou a hiena com angústia
Recordando suas borboletices passadas
Mas a hiena dilacerava-se sem
Recordar seu karma de leão
(num passado não tão distante, o leão e a borboleta que já não mais são, viveram juntos e fora tão lindo que não agüentaram, daí agora águia e hiena)
Era uma situação deveras complicada
A águia com seus olhos profundos
Mirava a alma da hiena
Por entre aqueles olhos de açude
E não sabia se alçava vôo
Ou se, novo bicho, beijava a hiena
(ou agora já um sapo talvez)
A hiena, fugindo dos olhos da rapina se engolia
E quando no bando, ria
Se escondia em risos tortos
Gargalhadas não salvadoras
Um boto percebendo sua desgraça
Disse-lhe: “sou como tu hiena,
Te compreendo bem,
mas depressa hiena, sê águia
e voe alto e não se devore
vá voraz à sua felicidade…”
Apareceu um macaco e lhe falou:
“vamos brincar hiena
vamos pular, vamos espocar
que assim você aprende a ser águia…”
E a hiena parou de roer a outra pata
Chegou então uma serpente
Que quis beijar a hiena
Mas não mais serpente e sim um coelho,
Segredou à hiena: “te amo,
mas por te amar, sei que tua sina é ser águia…”
E a hiena soltou a outra pata,
Antes que essa sumisse
Veio então uma maritaca
E afobada disse-lhe: “está bem?
fiquei triste, me preocupei…
queria te ver águia, mas só
o tempo há de dizer algo…”
E a hiena parou de estraçalhar
Suas entranhas e já não riu de si,
Riu da vida,
Uma gargalhada kunderiana
Uma explosão de esperança
(a águia tinha saudades)
Muitos bichos lhe fizeram companhia
Uma tartaruga tristonha: “de fato…”
Muitas serpentes: “é mesmo o fim…”
Outra hiena: “eu também não estou bem…”
Uma leoa: “dê tempo ao tempo…”
Um elefante: “já passei por isso…”
E até a própria águia: “você está bem?…”
E a hiena estufou o peito
Sentou-se ao sol e deixou que
Este lhe oenetrasse nova vida
E já não mais hiena era
Agora era um ser humano
(incompleto), que escreve
Almeja ser águia, mas não sabe se há de conseguir,
Afinal, é humano…

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