I Ching pela manhã

A poeira e os fiozinhos quando flutuam no ar em contraste com o despejar calmo do sol ao céu, trazem sempre aquele saudosismo estranho de que algo não fique do jeito que está, mas sim como já existiu em algum modo. A lentidão da manhã que os conduz estabelece algo ainda mais saudoso, mais distante. É como se o passar dos segundos confundisse-se com as partículas em suspensão e produzisse a própria lentidão, está que é a própria constatação da saudade.

O mundo de dentro de casa desanda em desalinho com os segundos do mundo do lado de fora. Há a ausência de si e de tudo. Só as partículas que se movem estaticamente no ar parecem ter vida, ter vez e, talvez, até voz. Dialoga-se com as partículas suspensas e brilhantes e elas falam uma língua muda, escrevendo palavras no ar, hieróglifos etéreos que se alteram a cada segundo.

Cada frase dita é uma verdade absorvida e ruminada pelos neurônios. Cada palavras perdida entre uma molécula e outra de oxigênio e gás carbônico é apenas mais uma partícula em movimento desalinhada, a percorrer um descaminho.

As verdades todas cabem dentro de partículas aleatórias, que mudam de trajetória a cada segundo. É como se o que fosse necessário saber seria apenas a irregularidade do traçado das partículas para daí, prever o futuro. Mas o que importa são as coisas que já existiram em algum modo. As que cabem realmente.

Acorda-se das partículas brilhantes e em suspensão facilmente: basta a consternação de uma melancolia qualquer que arrebata toda a possibilidade de que as coisas caibam em algo. Querer. Basta querer bem simples e sem engodos que se seja as próprias partículas. Talvez sendo apenas partículas possa-se caber melhor e de fato em algo.

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