3153.

à espera da calma,
eu me encontro,
e é uma impaciência
que faz dó
que dá nó
na ponta do peito
no ponto do meio
no poente do sangue
na nascente do ar
que dá margem prum mar
desabar pelos cúmulos
dos olhos entremeando
os limbos de nimbos
e cirros cerrados pelas
pálpebras

chover torrentes,
até a calmaria sorrir

3149.

Sabe quando a vida valia,
ela própria, a vida
e não havia
tanto peso e medida?

Quando a vinda e a ida,
no meio, antes e depois
ainda vida, ávida e vívida, havia.

Uma não mais bem-vinda
é agora a vida, vazante,
um nada entremeando a lida,
uma via com preço, valor e troca:
pura economia.

3146. O que será da palavra?

Se a poucos era grata
agora a menos é possível
Talvez só na forma fosse crível
que ela ainda tivesse vez,
posto que do que ela contém,
é certo que não contem nada,
nem o que ela é, tampouco
o que a lança além.

Como forma ainda faz voltas
pelo menos os símbolos
que a ela desenham interna:
um morro, um m,
uma curva, um s.

E quando a ela outra se prostra
se enamora ou apenas acompanha
aí a coisa desanda mais
e ao coletivado dela na linha,
em frase que seja,
oração que possa,
a compreensão mora nenhures,
ou alhures de coisa alguma.

O futuro é analfabeto
e lá só as máquinas saberão
as palavras postas.

3130. Junina

Ainda bem que vou na direção
que apontam as batidas do meu coração

A catedral anunciou pelo sino
era a hora dos mortos
O fluxo se acortinava
Um manto de gente pela orla da esplanada
Conectados:
bandeiras, shortes curtos e
bíceps torneados
A revolução virá de nike no pé
A revolução é estética
sempre
os livros de história que a compilam ideacional

Não há o que saber disso tudo
só faltam os pedonazistas
Calça atochada e nariz de palhaço
A revolução da cartolina
a redescoberta da cartolina e do papel pardo

O peito diz não vá
e a história será feita sem voz,
só timbres

A revolta dá voltas dentro de si
e a juventude aprenderá
a se divertir sem álcool

O movimento pungente das carnes se basta
e o tédio político de Brasília oprime

“#eumecomprometo”
a que mesmo?

3122.

Era tão leve
como o tremular
dos dedos percorrendo
exasperado e doce a pele

Tão, mas tão leve
como um dia inteiro
sem ter quê…

Leve, imenso e tanto
qual depois de aflito
o ar ocupa o todo do peito

Era leve, leve, leve, leve
que ao tocar qualquer peso
o diluia
e num ser só não cabia

Leve, como na manhã
fria todo raio se
acomete pela pele
na espinha

Era leve,
nessa desmedida

3121.

é sempre assim
um passo torto
a se por de frente
pondo o todo
até o topo
próximo ao rosto
um papo roto
um pouco a pouco
é sempre assim
um soco
bem na boca
do estômago
bem no âmago
do ânimo
como alfa
de um ômega
só que em Andrômeda
mas aqui mesmo
sempre assim
um passo roto
um olho torto
posto no rosto
um riso solto
e um quase
como sempre
por pouco

3111. Dilaceração

é quando a carne é tocada pela palavra
pelo indício e pela suposição
toda a parte rasgada e retalhada
decomposta até o sangue consumir-se pó
cristais ou cacos dentro da boca
arrancar a roupa dos ossos

é quando há um sentido de amor e morte
pela carne e para a carne
apertando o apertado dos olhos
pulsando o pouco não pó
lacerando, lacerando, lacerando dentro

3110. encaixe

todas as manhãs são as mesmas
são longas e impessoais
as tardes se turvam em horas e mais horas
e as noites apenas esperam
o despertado final para o encaixe

a proximidade de nossos corpos
derrete as frações do tempo
e toda noite é pouca, mas nossa

mas todo o dia é vasto e infinito
e até o perto do seu lado à noite dói
quando ouço o rumor da manhã
no sonho penso ao lado da cama

você se levanta e vai
e eu fico cobrindo o lençol
junto a todas essas manhãs mesmas
longo, impessoal, turvo
na latência do ardente encaixe
no aguardo do meu abraço nosso

3108.

a cabeça dele era feita num ajuntó
de nada com coisa alguma
e ninguém queria disputá-la

o desterro era seu signo
com o acaso em sua lua
e o éter como ascendente
marte, vênus, stellium algum havia

ele era uma coisa assim amorfa
passava os dias sem notar
nem quem o fizesse, nem ele o fazia
passava, por assim dizer

desgarrado, nem mesmo deus
o tinha por filho
era um órfão de deus

nem maya, nem belzebu
o pretendiam ou o tentavam
carma também não possuía
nunca havia sido nada antes
nem napoleão nem abelha
        
        
        
era agora
no máximo poderia vir um depois
como há probabilidade para tudo
e só
assustadoramente

3107. The Second Coming Show

vi o segundo cristo ao vivo
no the second coming show
deus decidia entre os participantes
elegeu um asiático
pois o novo papa era latino-americano
ao segundo lugar africano
a nova repaginação do arcanjo gabriel

dizem que fora da casa
MAIS vigiada do universo
afinal, onisciência da direção
pouca é bobagem
as femen protestavam
contra a misoginia de todo o processo divino
e os fotógrafos as clicavam
para a punheta fortuita do
racista-pró-pedofilia-anti-homoafetivo
que comprava bitcoins
enquanto difamava a dilma no face

vi a cara do novo cristo
ao vivo em todas as redes sociais
o salvador eleito por deus
para a nova assunção de todos os pecados
o novo cordeiro, espada em riste
arauto do armagedom, asiático
parecia o jaspion
seria a besta qual o guiodai?

três posts a frente eu descobriria
na foto de um tumblr
uma micro-biografia bestial
bem apessoada era ela