não tem chama
mais uma vez a sina
do meu amor é essa:
ser cinza
Meu nome é Guilherme, poeta , professor de geografia da Secretaria de Educação-DF e mestre em geografia (UnB). Tive AVC em maio de 2020 (isquêmico) não consigo falar ainda. Tenho apraxia e afasia. Apraxia é um distúrbio neurológico motor da fala, resultante de um deficit na consistência e precisão dos movimentos necessários à fala. Afasia é uma alteração na linguagem causada por lesão neurológica.
não tem chama
mais uma vez a sina
do meu amor é essa:
ser cinza
Vai, culpa o próximo,
se expia
Vai, pula pra próxima
mais-valia
emocional
a tristeza não é
atraente,
ela é reluzente
e cega
Gente é bicho
de espécie obtusa
No zoológico
seria tedioso
Macacos jogariam notas,
desobedecendo ao aviso:
“NÃO DÊ DINHEIRO AOS ANIMAIS”
Das vinte e quatro que formam
as horas dessa rotação,
sete e meia passo ali
em frente à teletela
Uma e meia duas vezes,
ida e volta,
para ali e desde ali,
no trem
No meio disso, meia eu gasto
jogando alimentos na garganta
a seco
Quando em casa, oito eu durmo,
quando muito
Em média sete, com sorte
Normal seis, com luta
Um quarto com o cachorro
Um quarto passando roupa
Uma e meia desde a cama até a rua,
rumo até ali
Sobram quatro, cinco ou seis,
depende da insônia
Em que eu não sei quem sou
Mas é sempre esse piscar, acabando-as
Cinco dias dentro da semana,
mais dois que não vejo
Só pisco
E tudo assim de novo e de novo
Trezentos e sessenta e cinco ou seis
Décadas
O que tenho daqui para sempre
Queria aquele vento de maio
que farfalhava as copas pelo
ermo do corredor do colégio
Um murmúrio nas salas de aula
abafado pela solidão de pleno dia
Carregava meus dez anos
e um encontro com o desencanto
que deixava tudo ali com
aquela triste beleza calma
Eu não sabia o que fazer
com aquela leveza toda
Hoje busco-a desesperadamente
o diabo é essa
solidão tamanha,
sem nunca só
cultivo lágrimas
há mais de mês
lavoura líquida
que salga tudo cá
dentro
a safra há de ser
farta, um ano
de tanques na face
e cardumes em meus olhos
sentei na cama no sem forma da manhã
tudo lenteava
olhava aquela brisa de sol pela fresta
e o raio de frio que rasgava a pele
era quase tudo em sépia
lá fora clareava
aqui parecia o sem tempo do passado
e o sem espaço das fotografias
meu intento era ficar parado
nada passeava
quedei nos meus pés em chão postos
e nas mãos, esmaecendo
fui tomando as transparências de vidro
eu apagava
quando vi, nada mais via, sem contornos
e o quarto me guardava a inexistência
Não queria dizer quem eu era
Não queria fazer qualquer tipo
Ser feio, bonito
Não queria olhares
Tampouco contextos
Não queria coincidências
Confidências me davam medo
Não queria outro lugar
Não queria outro momento
Queria apenas estar
Desaparecendo
aparta as hipóteses
aplaca o peito
há paz no centro
o medo do mesmo
ameno, o menos
a ânsia do a mais
ameaça, o máximo
nessa toada: dois nadas
desapega
desce do ego
em terra
sei que tudo opera contra,
um demônio atiça ouvidos
indo de um lado ao outro.
capaz que um deus também.
índigo oceano de sem razões.
depois de depositado em si,
irmanado com o sem tempero
o ato recebe adequação: todo o seu corpo cabe.
reconhecer que tudo mudou
chamar o peito às falas
educá-lo pacientemente;
assuma os erros, humano
depois se projete, livre
para além da vida:
a única matéria que não erra
é quando de dentro da terra
é tudo tão confuso
você chegou
e meu peito tem essa teima
em dizer que ainda
tem muito espaço sobrando
e pouco aperto se dando
ou só isso mesmo
aperto no peito
de medo
do longe
de novo
O Renato fez um disco mais que lindo com o meu nome.
https://www.youtube.com/watch?v=7CLI7F2YYiI&feature=em-uploademail
Eu tento disfarçar
Quem olha até pensa
Que cessaram os tremores
Mas meu sangue é magma
Fluindo ruidoso embaixo
Da tectônica da minha pele
Meus músculos em placa
Apenas repousam
Um terremoto destruidor
O sismógrafo do peito
Já identifica o próximo abalo:
Meu corpo à deriva
Encontrando teu continente
Mesmo que não agora
Ainda que lentamente
A todo quase elas vêm
Não há só um mar aqui
Há um nó aquoso
Adere a garganta toda
E cria um curso perene
Que cachoeira os olhos
Elas lubrificam a visão
Lavam as retinas
Mesmo turvando o olhar
Deixam tudo mais claro
Cristalino
Pelo cristalino dos olhos
Essas lágrimas me inundam
E descem marés cheias
Pela orla do meu rosto
Espero nascentes da minha boca
Pra dizer o tanto quanto
A sua falta me maremota
alçapões, porões, catacumbas
quem acessa seus
próprios buracos
seus vãos
hiatos
esconderijos?
quem se acessa?
no olho do furacão
dessa conexão que não cessa.
O que se descortina em vales pálidos
Aos pássaros míopes;
O peixe que salta para fora do rio
Ânsia, anseia;
Tantas vezes vivo,
Tantas vezes meio caminho: gota.
Um pássaro-peixe chafurda altivo
Compactua com juízes
Normas e crimes
Para os seus;
Ele sabe dos traços do prazer infinito –
O peixe-pássaro instituiu a vida.
não
foi
já
foi
já
mais
Você vai voltar
e a resposta não está
na sua presença,
mas na falta de pergunta.
Não é uma dúvida,
é certeza:
fica.
tudo mofava
éramos nós duas
paredes de lágrimas
janelas trancadas
no escuro
antes coloridas
hoje musgo
Há uma paz que vem
um sem tamanho sem ansiedade
Peito cativo
até desaprendeu a respirar fundo:
há de vir uma palpitação
um medo do escuro
culpa esculpida nas entranhas
Estreitos são os laços que
se tem de desfazer
Mas a casa está arrumada
se alguém vai habitá-la
não se faz questão
de resposta agora
Todos os cômodos limpos
Há mesmo até cômodas vazias, novas
Sem sustos
Portas abertas
O que move o peito é ele ser
sem desculpas
em hélice bater, voar
sem dez, sem diz
que me diz
Não é quimera, quasar
quem dera, quase
É paz e ela assenta
Casa limpa, peito aberto
que respira
É só acostumar
Coisa esquisita
foi só você me tocar
e me bateu a desdita
tontura
escureceu as vistas
Não tem mais jeito
é você a minha quizila
Quando você voltar
eu volto de mim,
porque enquanto você
fora, eu só me adentro.
entristalhado;
quando lágrimas
esculpem faces.
por pouco não era
um ponto
final
pois houve outro
acima
pra dizer o que
acontecia
o problema foi
o traço posto
exasperado
terminal
Não é um ponto
é um tudo
Sinuoso e sincopado
surdo
Encravado no cavaco
que tão bem em mim
repique e tamborim
dissonante
me diz assim:
a paz é melodia
que desfila pelo corpo
harmônica avenida
O tantã do coração
que canta:
felicidade é samba
Destra e canhestra
a face nua
do enlace
Donde jorrará amor
Donde haverá desgaste
desastre
Destra e canhestra
é nua
a face do enlace
dói não que dor dura
é só dó de si
que disputa
deixa a dor domar
ou dominar a conduta
a gente vive nesse jogo
efêmero de captar obviedades
e reafirmar posições egoicas
discursar sem pares
alhures de soluções
tudo resolvido
dentro de si não há silêncio
há signos e sinais
sem qualquer interpretação
miudezas que se completam
a falta de cá e de lá
foi um estado interessante
de se estar
um tatear meio trotear
sem alvo
com a flecha a mirar
correntes
que conformam
confortam
não as de ferro
as de água
mares me amarram
raízes que vem de rios
de cursos rizomáticos e meandrantes
de memórias d’água
minhas paragens aquáticas
meu rio araguaia
Difícil de desatar nó-cego. A proximidade das coisas no agora despedaça a lida de historiografar os sentidos dos fatos do mundo, imagina o que não prega e pega quando o desatino se dá nos apertos tidos dentro do peito? Quando tudo perto demais, o que resta não são as moléculas e os átomos, isso que fica num tudo quase invisível, mas sim a cegueira, combate amazônico de se tratar pela visão. Impossibilidade mesmo. Mas promessa feita, é dívida já arrazoada. Como que sem prazo… basta a paga, sem juros e correções. Trato feito foi da feita, não do além.
O ocorrido já corrido, que agora vou versar, longos dezesseis anos desde então, foi dado lá pelos idos do novo milênio, transcorrida a última mutação minha havida em fins do pré-apocalipse anunciado naqueles iniciados anos de boatos a percorrer virada, como massa de ar se indo de um lado para o outro da Terra. Em gênesis de 2000 mesmo.
https://www.youtube.com/watch?v=Zb4eqZqCZFo
Naquele anuviado de novidade se apinhando, desde quanto saí da lida do dia a dia das quebradas de Guariroba, cercania de Ceilândia, num indo vindo apenas desde lá até a Terra da Ave Branca – dos motes chamada Taguatinga – e dar com os costados em Ilhas Brasílicas, pontos de voo de planos e pilotos – dos quais nunca vi – no meio do descampado do cerrado ermo, lá naquele posto dos mais altos estudos e do garbo do conhecimento desmedido, a morada da sabedoria, vez por outra tida como Universidade, pareada com um lago que paira no ar, como tido Paranoá, foi que se acometeu a continuidade daquilo que pelas orelhas adentra, pelos ouvidos avança, pelo amotinado da cabeça faz massa embaralhada e se esparrama desaguado entre coração e peito até dar-se por inteiro no prumo do espírito e fazer morada definitiva, mesmo quando corpo já se for para os buracos de dentro da terra, nisso que não trata de se perder nem nos céus ou nos infernos: alma. A coisa da música. Maldita de bendita essa ela.
Só que essa ela, diferente de até então, ganhou um outro par a que aplacar a mente e cortar em duas bandas, pelo menos, esse músculo tremido dentro das grades do peito, esse que tem por nome coração. Elas, que sempre foram elas, várias, muitas, todas, tantas, músicas para sempre em mim, se ajuntaram a elas outras, tantas, todas, muitas, várias, que de por em mim avessado no grupo a qual pertenço, me fez querê-las assim, tais e quais as músicas me atinavam. Só que delas um bom tanto, posso falar deles também, ao que o amor me é feminino, mas o enlace me é humano. Seja ele ou seja ela. Somos todos e todas. Querentes. Querosas. Querosos. Musicais. Desde sempre.
Mas é dela, a primeira, o interesse posto em falar. “Essa aqui do meu lado, essa minha companheira”, que de outros tempos de atrás ainda agora eu tive por dizer que “de todas as coisas, a que mais me toca”: a danada da música. Do que vinha apois contando em outro mote, o primeiro, acerto que parei por perto de uma serpente lambadeira, treinada por força alagoana, no findo do milênio segundo depois do cristo cristão. Pois que como vinha vindo, continuo. Era em fones instalados no aperto dos ouvidos, que seguia aquele trote de baú, quase cinco léguas diárias de ida e de vinda, desde lá das terras brejeiras e pantanosas, quiçá quase de veredas, donde antes brotou palmitos em palmeiras, guerobas – de modo de dizer sulista, guarirobas – a morada minha de então, até a morada da sabedoria. Dez léguas de trote todo dia em busca do conhecimento.
De modo que para a paga de assim proceder, o holerite da função do estudo, arrumei de sair amando, para ver se dava gosto aquele intento de se formar no rumo profissional, o mesmo que de minha mãe herdei, intento de conhecer da Terra toda, todo o espaço de feição possível e, depois de conhecido o que se desse de tudo, ensinar a molecada de pequena e a velharia de adulta nos segredos que a descrição da Terra há de poder revelar. Era função boa essa do entendimento das coisas, mas cansava e precisava de paga melhor do que a previsão futura de que tudo melhoria com emprego e com empreita, anos postos depois de graduado. Fui atrás do amor então, para ver se me convertia em alegria plena, estar na morada da sabedoria não sendo suficiente como naqueles tempos.
Passei seis meses remido de saber o que ali fazia, nos ares do que se costumava por como Universidade, mas fiquei, sem muita firmeza do que ser, um tanto liquefeito e desaguado pelos lados, ladeado mesmo com o nada, beira lago pairado no ar, sem se ater ou bastar em si e de si para si mesmo. Tava avolumado era de nada. E todo recado me acatava, me atacava e me atava, feito cadarço de all star velho e bege, desgastado e desgostoso, que afrouxa e desata, desabando de tudo em tudo e pelos tudos, como feito qualquer pessoa.
Apartado de si, mas esperançoso. Engrandecido de se ser nada mesmo, mas sendo algo. Caminhada. Ao que fui para os ensinamentos segundos de mais um seis meses de ser quatro, em aulas de filosofia, das introdutórias. Classe que divisamos com as companheiragens educatórias, das que se principiavam serem professoras, dessas de meninada miudinha mesmo. Mestre Ubirajara nos ensinava, me lembro bem de então, falava até de Exu, de ser pé de bode ou cabeça de, em estátuas feitas quando em África ainda, versado como o dinhanho já cá em Pindorama, travestida de Vera Cruz, desenvolvida em revolvimento de se ser Brasil, como sendo o próprio Satanás!
Veja se pode? Fazer da Esfera, daquele que traz os ligamentos e as conversações, que comunica e que destrava, destranca e desaperreia, como sendo o diabo do Diabo que parece há lá entre biblianos e biblianas. Exu abre, não fecha. Mas nos enroscos da filosofia, era aula às vezes boa, às vezes sôfrega, mas ainda com muita gente das bonitas e das inteligentes. O que dava mais ânimo de ali continuar. E continuei.
Ali mesmo, naquela sala, foi que tive três visagens, podia ser mesmo três assombrações, ou mesmo até, três assomações. Me assomei todinho. Me assomei, mas foi delas, das três visagens que ali vi. Era como se até pudesse ser feito de matéria firme, mais que o ajuntado de ideia, de pensamento e de palavrório que se dava dentro da sala, acreditei em voar.
Naquelas três visagens.
A primeira foi uma visagem aproximada bem de perto. Era chamada de Leila do Norte, assemelheva uma pintura, dessas do tempo em que as mulheres ainda eram retratadas em suas formosuras redondas, que arredondeavam de estonteio qualquer passante em distraído. Toda aquela cabelama, arrodeada de loiros não nascidos, mas ali postos como que tingidos, luzes a dourar o natural. Leila do Norte, moça forte, de presença agigantada e leonina, firmou pé do lado, me disse tanta coisa de lá, daquelas bandas de onde eu mesmo começava em linhagem de família verdadeira em sangue. Coqueteávamos ambas, eu e ela e para nós mesmas. Em todo o canto possível daquela cidade universal de conhecimentos múltiplos. Ela me tecia palavras de borboletas com o encanto de ser gênia, sabida no por demais. Era encanto que não se tinha fim. Fiz até de Leila do Norte, Eliane, a que era música, em certos traços escritos e empalavrados que já tive por fazer, donde me travesti de Paulo, professor de ledos enganos. Mas éramos eu e Leila do Norte, saracoteando por toda aquela extensão, e mesmo ali em iniciações filosóficas. Eu olhava Leila do Norte e bem dizia as cores todas, as coisas todas, as belezas mais bonitas, versos simples de feição fácil, calafriosa.
Tinha por certo que ali era amor de não se desencantar, tava no aprumo da certeza de que era. De pacto e de impacto. Era amor. E ia e vinha. Visagem que eu sabia. Ia e vinha. Fluía. Confluía. Motes, cartas, sonetos e ditirambos, à Leila do Norte eu escrevi.
Mas a vida é doideira doida, que endoidece qualquer que tente dela se afastar. E como sempre dentro estive, fui, e de cara – pá! – dei com a própria doidice da vida doida na fuça. Outra visagem assim se fez, e do lado dessa cá, de nome Leila do Norte, graciava aquela outra visagem, que assim se fiava, em minha frente e bem ao lado, por nome de Dourada Rainha, Rainha Dourada, sem ser Senhora. Era triste ela. Como doía. Feito as minhas lágrimas tão eternas, feito aprisionamento dentro de si. Tinha pelo cristo cristão uma relação de amor e medo, que por vezes me assustava, mas eu tinha cá por mim, que enfim, assim, mesmo com aquela confusão, de ser triste e ser devota, eu lhe tinha comoção. Tamanha. E fui tendo mais ainda, emoção mesmo, pelos áridos do trote de léguas diárias posto. Que sempre se fazia com ela por companhia. Desapeava do baú antes de mim, isso era certo, e entrava também bem depois, da sorte que se guardava em casa feito chácara à beira do Vicente Pires, três léguas de onde o teto me dava o sono e a guarida. Me fiz em seus traços, contornos dourados, campeei sua tez no desagravo do meu martírio, para ver se dele me livrava. E havia coisa que não dita, ainda mais me apegava, era oblíquo, mas não dissimulava, eu queria mesmo era adentrar.
Eu lhe quis em tanto agrado, queria pô-la em colo meu, e afagar-lhe as mechas negras e bendizê-la o tanto que desse, pois muito que dava, e eu me quedava frente a ela, miudinha, esparramosa, batatinha pelo chão. Linda, Dourada Rainha de cabelos negros. Pareava junto a mim, nas classes filosóficas, bem no meio eu e no oposto, na canhota, Leila do Norte. Era coisa endoidecida, que me afligia, mas eu nada fazia, só sabia o que eu guardava, aquilo que em mim já conhecia – dois, pelo menos – que havia no meu coração um.
E eu andava meio assim, trafegando entre linhas e brancos papéis, tracejando o que pudesse com palavras apenas, falando de Leila do Norte e tecendo Dourada Rainha no dizer. Melodia é coisa que me adentra e fui fazendo delas tudo aquilo que fazia, serem elas mais que elas, mais algo que em mim me principiava, música elas em mim, o que foi sendo.
Escapei foi nada, e no meio dessa coisa já em si de amorosa desastrosa, me ferrei, por conta do que se impõe como definidor do que se possa ser amar e amor, de se caber em conta feita: um mais uma, quando senão, talvez, somente, um mais um ou uma mais uma. Vá saber. Mas que é essa a conta do possível, isso sim, é feito em fato. E eu ali, tentando conjugar a soma na tabuada da subtração: menos uma, sobra eu e outra, menos outra, sobra eu e uma. Mas divisasse que eu não conseguia fazer a conta!
E de tanto não saber fazer, que meu peito era que se divisava entre elas e assim queria. Foi que chegou a professorinha, dessas que amam tudo quanto é criança. Só pra ser visagem outra, só pra trivisar meu coração já bipartido. Vinda da beira do Rio Preto, lá pra lá das Gerais, bem no estado do café preto e dos motores, dos cinzas. Maria Maria, de nome feito era ela. Gracejada como na música dos mil tons que há. Era que era só sorrisos e esperanças, só delicadezas. Sentada em minha frente no abecedário da introdução do pensar, na classe e na cola. Ela tava o tempo todo lá, na cola. Me colando. Me calando com palhaçada, me calando no riso, olhe só. E eu fui, fiz que não mas fui. E fiquei pasmando com aquelas pintinhas que pintavam a cara dela, que era bela e era diferente. Belezas dessas que se apega e se aprende, se apreende. Coisa de professora. Vai se ensinando e quando se vê, já é linda que por mais linda. Bonita toda em flor, feita como o nome previa: Maria Maria.
Destarte que ninguém tirava, só que nem Maria Maria, nem Dourada Rainha, nem Lia do Norte. Tava tudo lá que era só mistura. Só inquietação. Feito quando o cerrado queima, labaredas e fumaças, esfumando tudo e a bicharada num ligeiro de corrida pra todo lado. Eu mesmo me tremia. Era isso toda terça e toda quinta. Se bem que quando se dava a primeira feira, já se avizinhava a terça, e no destempero de uma quarta, tudo era dor depois do dia passado e tudo era espera pela quinta vindoura. Quando sexta se aprumava e o que em quinta se passou palpitava o coração, vinha o sábado e o domingo, só pra dar saudade e choro. E eu chorava assim, na solidão descabida. No que pouco se sustinha: eu mesmo tomado em mim, de por mim pelo meu quarto, de comigo em meio da rua, por companhia só eu pitando ou pintando. Só esperas. E encantos. Três visagens. Sonhava que era com elas por sempre vir. Me tomavam.
Eram elas e músicas que me achegavam. Pensei ser mal feito do peito, acolhi que devia era de me tratar. Mas desavisei-me do perigo, carecia de carregar meu peito pro conserto não, só precisava era de poder deixar aquelas visagens todas virarem flores no prolongado das ventas, pra regar o que fosse de bom e de bem. Para elas. Em mim. Mas qual o quê? Fiei que não dava. Alertaram. Amigo meu Miguelito anunciou “Dá certo não, Guelé. Por demais de arriscosa essa função. Se ainda fosse lá nos idos de outros tempos, quando livre parecia que seria tudo. Mas cá, hoje, agora, nesse então. Fia no meu dito ‘quem muito quer, nada pode’”. Ou mesmo no dizeres de meu irmão Luz: “Isso é feio, mano meu, amor é um, só vai prum rumo, só toma um prumo. Amor é canoa solitária que desce o Araguaia até se dar parada em barreiras, com a paciência divina, eis que vem outra canoa solitária lhe dar par. Ouve o que eu digo: ‘quem muito quer, nem sabe o que quer’”.
Desouvi foi a todos. Fui no ir ainda. Eu que sabia.
https://www.youtube.com/watch?v=nPSUtFlwQdk
Mas a filosofia já não tava conseguindo ser mais nada. Era só elas. E elas se aperceberam. E foi lança, pedra e pau, estrondo, solavanco e sopapagem de palavório pra todo lado. Acidez que derramava. Queimava até não poder. E eu ali. Em meios. Achando que dava. Que dava. Dava era nada. Dava era o nada. Mais fácil era que eu me continuasse no prolongado da solidão de antes de tudo aquilo havido. Assemelhei que fui falando aquilo pra cada, e as visagens foram dasanuviando, entrando no ermo dos olhos abertos e sabedouros do que é realidade.
Cada qual foi se adentrando na sua tristeza particular e eu me virava que era só ela. Triste, cabisbaixo, macambúzio, no banzo mesmo, banzo brabo. Se tivesse que ter como, eu me carreava era no banzeiro do Araguaia e me ia até sei lá onde. Bico do Papagaio. Até tocantinar, paraar e vir mar. Virar mar. Só pra não ter essa sofrência. Sofreguidão espinhosa. Lamacenta. Lodosa. Ah tristes fins.
Vi Lia do Norte se ir. E chorei quando dei pela falta de Dourada Rainha. A última a me deixar foi Maria Maria, que tramosa, se pôs logo de adiantada. Foi, mas ficou me deixando partes. Em vários apartes, por parte. Eu fui só seguindo. Ela me chamando. Pegou rumo pro Rio Preto, me deixou cá cerradiando, no quase do que se pode ter. Carta enviei, por correios mesmo. Chegou em boa hora e na capa lhe enviava um estado de espírito, porque o amor se deixava surpreender, impossível sendo ser feliz por só. Ao que busquei Maria Maria lá pras bandas do Rio Preto.
Pois que dela eu também gostava. De todas eu gostava, no mais alto querer bem, mas com a destra e a canhota me fugindo, eu só tinha notícia da frenteira. Maria Maria sabia o que fazia. E me deu tino, dela me atinei de todo. Propus: namora? Namoro. Eis que fomos. E nos emaranhamos de estrelas, de cometas e até de coisas sem porquê que se demoravam nos cantos dos céus noturnos. E fomos num indo e vindo de viagem, de cá pra lá dessas terras poucas. Parcas. Mas que nos cabia. Maria Maria era flor e enlace, me cativou, me trouxe o que dela pertencia, tomei gosto.
Mas eu lhe vazei de sentidos também. Ah, isso eu sei. Certeza que lhe digo. Foram dias de se por de antemão contra a contramão de quem vai no rumo do esperado. Corremos outros lados. Se indo. Passo a passo, a passo. Compassado. Se indo no amor de se ser dois, duas e cada uma, cada um. Lindo. Coisa boa é amor dos começos, dos princípios, dos primeiros. Que se segue como paixão até se dizer por boca vã ser sê-lo apenas aquilo: amor. Quase sempre se caí e num se volta. Ou se ama. Ou acaba. Enquanto não, passa-se. Passo a passo, a passo.
Só que a vida nos pega, prega surpresa e nem se arreda, nem arrenega. Apregoa em sabiá. Quiabento. Urtiga mesmo. Conflita e atrita. Sem briga, só sem acordo mesmo. Dá-se assim um esmorecimento, um desânimo de querer. E ainda se continua querendo, veja-se. Só que é muito lá e cá. Diferente. Como se um espelho se colocasse nas costas e nada do que igual se vê. Se avista.
E o que se tem que ser vai ficando avesso. Outra coisa. Quem sabe mesmo, a solidão?
Deixei Maria Maria por perto da boca de um senhor tido por Hermeneu. Lindo homem. Assaz inteligente. Feito a noite: para pouca gente. E eu fiquei ali espiando, o azul do céu me avisava que as visagens ainda vinham. O céu todo me fiava a confidência. Não tinha medo ou receio. Se fosse a solidão, que viesse. Se fosse o sol, que queimasse. Se fosse a bruma leve do que toca a pele e pousa pouca e inteira, toda ela em mim, que fosse. Eu ia. Deixava. Sustinha. Lá nos altos dos céus, descansava uma légua grande se dar em si. Tava me bastando que era um gostar de si. Coisa rara. As visagens ainda vinham em mim. Leila do Norte já casara. Dourada Rainha se encantara. Eu as gostava, nem desgostava. Só queria bem. De bem-querer inteiro. Sempre. Amando mesmo.
https://www.youtube.com/watch?v=WxYrSEOx5yM
Fiquei comigo. Até o próximo capítulo.
pode fazer, pode chamar
hoje eu fico em casa
caçando anjos com lunetas
estarão lá em goiás
provável que sim
certo que
anjos praquelas bandas de lá há
dormindo em esteiras
buscando o àiyé
tô cá, sem tocá-los
os anjos, eledás
me guardando
a aguardar
Era uma coisa, mas – pasmo! – teve vida
Carecia de taxonomia, logo
Situamo-la num reino novo:
Metatranqueira
Do filo dos Inutiae, da classe dos Paravalóricos,
Ordem dos Ostentacus,
Família Hominidae
Seu habitat natural são bolsos e bolsas
Procriam-se através do parasitismo de humanoides de África e Ásia
Consomem minérios e sintetizam ondas e raios
Produzindo presença, companhia, boatos, excitação e ódio
Seus rizomas se mimetizam com esperanças
E se estilhaçam no fim
Em sambaquis de plásticos, papéis e pedras
Sem vida nova
Descartáveis, são a cura
Para noias humanas
E paranoias, para humanas e humanos
Veneno e soro
Além de psicotrópico
Subespécies várias: galaxy sspp, motog sspp, iphone sspp, windows phone sspp.
aindará o ar raro a exentranhar
teu peito de raízes aéreas
tu quandoás nalgum tempo
os ácidos frutos que germinarão
dará limões
azias darão
desse teu solo
que merece correção
por mais púrpura
que seja a estrutura
da flor
da flora
da fúria da beleza
o dano é menor
caso não veja
não haja
não seja
contenha as entranhas
cegue
e só flor será
pura e púrpura
sem dor
sem ganho
vou manter
o meu tamanho
amor
não basta
devasta
devagar, como naqueles tempos
em que assistimos aos capítulos finais
– e estávamos lá, vivemos!
ainda percorrem nossas veias esses tempos
como no compasso de tecer rendas de bilro
moldar o barro em roda até cerâmica
devagar, como nos mitos e nas lendas
como no tempo de pórticos e portais
de umbrais
eu te descubro sem pressa,
demorado lençol de longas tardes
eu te descortino vagaroso,
abrindo ao teu consentimento tuas janelas
alicerce para o voo, firmamento
calmo e devagar
como nas cartas de 1700
como passos no passeio público
pique-nique no bosque e vereda de tardinha
uma imensidão de por-do-sol sem fim
até, lentamente, você me descobrir dentro da tua noite
essa que ainda não sei
a neurose é algo nobre, recobre
aquela fúria dela, truta, consorte
mano meu, Sapien, deixa eu dar a letra
debaixo da bombeta fissura forte, treta
h.aço eu acho, sempre, ideia no pente
e no peito, mole, carne nem sente
tudo monstrão nos ao redor, dixavado
mano meu, Sapien, vai vendo
o pisante dá um choque, transtornado
eu sou só a minha beca? sigo sendo?
alma sem corpo no baldio desovado
alma ainda, bagaceira, se encolhendo?
veneno, lupa baixa, eu me entranho, só pala
pelo afora da pele parda, pelos, placas
tinta na esquina do coração com a costela
e essa pira, noia, para além dos bico
que inflama, aqui dentro tudo descamba
mano meu, Sapien, negro drama
paguei de cabuloso, mas pouco sei
como brisa, fritado, sucumbi
irmão, bagulho loco, essa quebra aqui
foi mó função quando trombei
pipoco pra todo lado, quase caí
firmão, segui suave, sagaz, não zoei
é disso inteiro, junto, misturado, demente
mano meu, Sapien, uma pá de parte
cada uma num corre à parte, tipo arte
nem lá nem cá, é dentro em tudo, ente
que se esparrama por todo onde e arde
essas quebras de dentro da gente
I
espreito tua ânsia
de flores e faíscas
teu corpo delicado de
caligrafia precisa
em versos compostos
pelo alumbramento
do orun
avisto tua imobilidade
de portas abertas
para a mudança
II
cá, detrás desse muro
fito pouco a pouco
tua reconstrução
ouso transpor o muro
e meu corpo pedra bruta
constrói-se a própria parede
o máximo do meu toque
é continuar-me em terra
que sustenta teus pés
III
a nada sou indiferente
e minha pena
ser tocado por tudo
é a desatenção plena
e sempre
tropeço em minhas próprias pedras
E a constatação que vem depois também me adere. É sempre bom se lembrar.
Que susto!
Ó o sol…
Que só,
no meu pasmo…
Adejar,
pois,
há demais ar.
Ademais,
adentrar.
Um jasmim
jaz em mim.
Onde azagaias
brotam.