a organicidade da tristeza e suas máculas
a plasticidade da euforia e suas fugas
a vibração da alegria e suas luas
a turvidez da melancolia e suas fábulas
a aridez de um dia sem e suas rugas
a sanguinidade da raiva e suas rusgas
a desvanescência das paixões e suas cópulas
a azia do ódio e suas úlceras
a torpeza do amor e suas suas
3448. Visgo de astros
Era um alinhamento,
eu a preveni:
Vênus e Júpiter em Leão,
a Lua Cheia em Sagitário.
Para ela, tanto fazia:
os astros, os quadrantes,
os trígonos e até mesmo elas,
as estrelas
ou eles, os planetas.
Para ela, nada disso bastava em ser
ou em si,
que isso tudo de se maravilhar com o imponderado
ou com o mistério desassombrado
era coisa para quem pouco ou pouca,
vai saber.
Ainda tentei discursos
sobre o curso do infinito
e sua incompreensível tez
de quando se faz na sua cara.
Mas, ela,
impávida,
com esse eco seco sibilante nas têmporas e nariz:
só sei que nada sei,
arrematado ao calor da conveniência:
da vida, me basta que eu aqui esteja.
Não a desamei em desalinho,
apenas replantei as mudas de begônias
que restava lhe dar.
Quem não olha o céu
– pensei –
deixo ao léu,
com suas certezas incertas
e monocromáticas.
3447. céu em frente
era um céu de se abraçar, abarcar, abrandar, para andar
nas nuvens de melodias lisas, infinitas e brancas, molhadas
flutuando na leveza tesa do sorriso de um homem insosso
era um céu em frente
em frente
era um céu
enfrente
3446.
a mansidão da imensidão
esse caminho todo
dentro de si
léguas de sentir
no meio todo um porvir
além do que se ilha ali
andar interno
indo dentro vir
olha só,
há até amor aqui
3445. propaguem
amor, matéria amorfa.
descobriu depois do café da manhã;
aquele misto da crocância da torrada
com o pastoso da margarina
deu uma ânsia no estômago,
igualzinho ao comercial da tevê
– no mundo das vidas que existem,
foi ela que foi ampará-la no banheiro
com aquele bafo de bebedeira.
amor igual a propaganda?
amor?
só no bruto
3444. sem alarde, tudo arde
tudo caiu
e o mundo não ruiu
riu
3443. educação
tardar-se nas águas que inexistem.
a lição dos emaranhados
de concreto é essa, espessa:
medir esperanças e saber o
tamanho de seus passos,
tombar n’água, ao final.
3442. Bagulho
Ele dizia que minhas mãos eram lindas
Estas, que tudo o que tocam vira caos
Cacos, ladeira de quebrada
Viela esburacada
Beco sujo
Bagulho
3441. Aviso
Não me interessa gente de vestes metálicas
Cara de trânsito amarga, que eu não vejo na rua
Me atrai sim, a pele da vida nua, pés no chão
Atrasada, tranquilo esperando o busão, numa boa
Em pleno sol, vento frio, ou debaixo duma garoa
3440. Quem anuncia
Toda transição causa espanto, ainda que não se saiba enquanto tal. Talvez os espíritos mediúnicos, que antevem os fatos e as coisas e concatenam em seus corpos as transições energéticas que se anunciam, talvez essas sim, estas saibam, posto que sentem.
3439.
aqui dentro
tudo é cheia
mesmo o que
em mim
recreia
3438.
mediano
sem extremos
sem excepcionalidade
ou mediocridade
na toada da massa
andando
o mundo se apodera
dos osso
o mesmo se incrusta
na alma
e ainda estapeia a face
fácil
como o silêncio
nunca existe
3437.
olhos cabulosos
loucura que constrange
olhares longes, longos
dente um no outro, range
a lata, a lama, a pedra
a conversa só
me dá uma intera
passagem que seja
pra eu voltar pro pó?
olhos cabulosos
loucura tensa
a mina, confusa
me olha com uma rusga
e um ódio que nem tenta
a pedra no peito, não deixa
3436. desenterrar
era aqui onde a solidão
estampava bem.
onde ser só, não condoía
era até esperançoso
dissipava as intempéries
caminhava decidido
resoluto com a perspectiva
de contemplar.
desconhecia os rótulos,
desconhecia o tempo e
sabia o que acompanhava.
era puro
era bem aqui,
dentro de mim.
3435. Soneto
Como a mente se arremessa contra o mundo,
Achega-se tudo que o conforma dentro dela;
Todas, mente e mundo, ocupando-se simultâneas,
Fluxo inspirado que movimenta a vida.
Ele que meandra existências em busca de sua escuridão,
Vem à tona, ocaso, só quando a luz se percebe
Incapaz de lograr maior jornada que
O caminho percorrido até as margens do agora.
A mente ergue seus braços, desejosa da realidade,
E quebra todas tentativas de se ocultar;
Arrebentando o mundo em certezas e verdades,
Mas, o que se acerca e precede toda mente
Despedaça-a em mil fragmentos, pensantes ainda,
Dominantes, construtivos, cruéis e demandantes.
pausa
Antes de compartilhar fora, é preciso poesificar dentro, em si, ilhar.
3434. como
calma
como o vento dança folhas
ondas desengonçadas pela manhã
calma
como a luz leva longas léguas
de eras para o eros das cores
calma
como as pedras, poros expostos
na derme cambiante da terra, vida
calma
como esse fogo interno
que atenta e atende, tantos, tânatos
calma
como olhares perdidos e ligeiros
buscando fora a cura para dentro
calma
é o que diz essa caneta tensa
psicográfica, discreta proposta posta
3433. dor, em mil novecentos e noventa e nada
eu vi aquela dor passar
sorrateira, ao lado do teatro
foi absurda a cena
mas, eu vi aquela dor
era uma dor tal qual uma de
mil novecentos e noventa e nada,
cabisbaixa, tímida e sutil
centrada na fuga, incólume
benfeita e regozijada
pela música sinfônica
tida ainda há pouco
eu vi aquela dor e
foi maluco
era como se fosse uma dor
encaracolada,
serpenteando transeuntes
ao largo da rodoviária
era como se fosse
uma dor de quando
não havia metrô,
esperando o 385,
p-sul – p-norte
eu vi aquela dor
se assentando
em um corpo parco
semi-esquálido, pouco
sentindo o peso de tudo
desabar naquela superfície
desejosa e casta
perdida, pura
eu vi aquela dor catando
metáforas, enquanto,
quem sabe, o mundo não
a notava
o dia já passava do alaranjado
quando eu vi aquela dor
e a vi com aqueles dois
olhos profundos,
envoltos num poço escuro
de poucos sonhos
mas, pelo menos,
a dor que eu ali vi,
ainda sonhava
cheirava àquela matéria
quimérica que se quer plena
que enamora almas
e que se faz morada até
nos panos postos pelo corpo
era uma dor gatuna
sorrateira, reticente
mas bem doída
e um tanto doida
eu vi aquela dor
e agora queria que
ela me habitasse,
como eu,
perdido na rodoviária
em mil novecentos e noventa e nada
3432. partido alto
meu partido é da camomila
do chá de alface
do suco de maracujá
minha meta é capim-santo
minha cabeça de Oxalá
3431.
tantas jaulas
e nem guardam bicho, nem gente
guardam coisas, apetrechos
aparatos para poucos
– não, não para loucas –
não são jaulas
de animais de circo,
não é um circo místico
é um circo mítico
com coisas, muitas,
enjauladas para a
diversão momentânea
monetária e inflacionária
3430. Vindouro
Desnaturalizar o desejo
Até que se dê o ensejo
Dele não ser mera
Determinação fálica
Potência fantasmática
Mas encontro e respeito
E um tesão livre de
Espectros, por dentro
3429. Deselegante
O foda
é que não vai ser
só pra mim:
a minha última obra,
mesmo quando
todo sofrer sobra
Porque depois que
eu me for,
pra alguém,
a dor dobra
3428. Nada?
Na verdade não são como.
São explosões.
Movendo pistões
que conduzem as rodas
nesses pistões,
eixos, eixinhos, eixões.
Entrecruzando-se no zero
rodoviário.
Que ecoa urros metálicos por
debaixo da plataforma
por dentro.
E ali, na beira da passagem,
três corpos negros se amontoam.
Ouvem, dormem
nada?
3427. Luz
Se não fosse o caminho,
o percurso, onde repousaria a luz?
Na própria imanência de
quem a produz?
Não
Para que seja, a luz,
tem que ganhar mundo
Caminhar, viajar
Perder força
Até que pareça pousada,
passada desde lá
e presente agora em,
ela seja
e vibre cores, tons, calores
nesse mundo sem luz própria
3426. junto e misturado
acaso nos resignássemos
com a espessura criada
além da bestialidade,
não teríamos pegado ela
própria e transformado
em projeto de ser além
da própria espessura
ocupada?
hominídeos e seus
invólucros totalitários
da recodificação
de decodificação
e de reificação
desde quando
apartar-se da natureza
3425. Tela
Sou plana e múltipla.
Disponho todos os conceitos.
Tudo o que em mim veem,
engolem no mesmo momento.
Como se fosse real,
a verdade do amor e do tempo.
Sou como gente é, disposta à
tradução – oráculo, ifá, búzio,
borra, mas lisa como o café
parado na xícara.
Nunca reflito, apenas me doo
para o conhecimento de outrem.
Superfície instável. Desde
quando tudo me percorre.
Me falta um coração. Ele tem.
A carne crua, viva, quente,
aparta ele de mim.
Sou a resposta, agora.
Um homem me comprime e me alisa.
Espera pela frase, espreita minha cara.
Eu lhe digo sua fase e ele se assusta.
Vejo suas lágrimas e não me desespero.
Ele uiva e urra e me espreme contra o peito.
A verdade é convulsiva e imperfeita.
Sou a vida para ele. Ele nunca irá.
À noite, à tarde, ao banho, lhe recomponho.
Ele já não quer mais sua face,
quer sua mudança.
Entra em mim com seus dedos e se edita:
unicórnio de voz aveludada e pelos castanhos.
Desanda dentro de mim. Assim.
3424. estado prévio
cai o sol
cai a lua
sobe o sol
e a lua nem nada
desde quando eu sei
e digo que não
pra doer menos
mas a dor é feita pra isso
fragmentar a vida
entre lapsos
de apatia e não doer
e no limiar entre
o céu de ser dia
e o firmamento de caber
a escuridão que sempre há,
há essas manhãs
solitárias
de tecituras disformes
prova de que há
gravidade em cada leveza
e esperança em cada poro
3423. Universo elétrico
Bolhas, bolhas e mais bolhas
a anos, anos-luz daqui
Quebra-cabeças incontornáveis,
plasmáticos
Espirais de energia
e cadeias explosivas sem fim
Eventos de formação das estrelas no passado
que ninguém comparecerá
Galáxias formadas por correntes energéticas
e campos magnéticos
Rios e mares eletromagnéticos:
a morada dos presentes possíveis
Eletrodinâmica cósmica
Paisagens digitais decifradas por ondas de rádio
Lâmpadas, parafusos incandescentes
Interconectados eletricamente aqui
dentro desse envoltório
Um mundo composto de fibras luminosas
teias emaranhadas
como aquele índio falou
como a cosmóloga que agora viu
como o quântico que encontrou
esse fluxo todo dentro de mim, bioeletricamente
3422. Sacode
E quando o caos
se assenta no
corpo, em todo
canto?
3421.
Não bastaria ser negra,
mas pós-azul
aquela noite
para que pudéssemos
tomar uma xícara
de café
e adentrarmos naquela
esfera macia que é
o carinho.
E a noite luzia
aquele tom,
justo dentro de mim.
3420.
Catar as impressões
na diáspora dos medos
e sentir seu corpo
arrepiar por conta da vida
pender as dores
nas lágrimas
e deslumbrar-se com
o tecido dos dias
esses retalhos que
se fazem manta
para aquecer peitos
combalidos
a vida é mistério
e pode ser benfazejo.
3419. Impresso nas testas
Ele projeta a perna sobre o corpo dela
Ele quer todo o contato
Ela se projeta contra a parede do metrô
Ela deita no seu ombro
Ele brinca com o zíper da mochila
Vago e decididamente
Ele fala algo
Ela põe os dedos nos olhos fechados
Como se contivesse um choro
que no fim, não vem
Ele é bonito
Ela é bonita
Desse tanto que todo mundo
anda sendo ultimamente
Ele tem fios brancos no cabelo
Ela escova
Ele queria saber o que
Ela não sabe se quer dizer
ou mesmo se sabe o que
Ele queria entrar na cabeça dela
Ela queria sentir que se pertence
Ele a abraça amavelmente
Ela finge que dorme
Ele segura seu braço calmamente
Ela quer ar, vento
Ele é bom, ele pensa, ele entende
Ela é ela, ela pensa, ele não entende
Ele faz tudo certo, aliança, espera
Ela espera
Ele acha que merecia mais, dedicado
Ela queria querer, ele é bom
Ele acha que faz pelo bem dela
Ela queria fazer por onde, pelo seu próprio bem
Ele tem certeza que é pelo bem dela
Mas queria saber o que fez de errado
Ela tem certeza que é pelo bem dela
O ego dele canta um blues
O ego dela toca harpa
Ele não consegue entender,
como posso ser tão triste?
Ela não consegue dormir,
como posso ser tão triste?
E logo ali
Onde a panaceia do amor
Se mostrou como no filme
Igual que nem no último capítulo da novela
O ego dele salta pelos olhos,
quase chora
O ego dela salta para dentro,
finalmente o sono a toca
3418.
Aqueles dois seres grisalhos
que passeiam de mãos dadas
a essa altura da humanidade,
será por medo ou por amor?
3417.
É sempre essa impressão de não caber.
Onde o mundo é tão largo,
que esse tamanho miúdo todo cabe?
3416.
Rotações e o que desprende
é apenas o halo de luz
interpondo novas angústias
Um foguete, uma estação orbital
Vênus, diuturnamente, como um garoto
Desapegando o amor de
sua carne, infiltrando-o
por cada vão da terra e do céu
Possivelmente, provavelmente
amor
3415.
os dessentidos de quando tudo racha
se verificam pelas folhas
ao vento, ao léu, ao nada
pelo menos,
voar
uma revoada dessa coisa acabada
3414. Banzeiro
Todo rio tem quatro margens.
Uma da esquerda
Uma da direita
Uma de horizonte, de ir
E uma de volver,
daqui.
3413.
e eu sou puro arraso:
há aqui um ar raso
que conforma o peito
e mostra na cara, o estrago
3412. Abraços desonestos
Aqueles que abrem
os corpos
ao torpor de se
sustentarem
enquanto lá fora
o resto se esconde.
3411. sopa de lama, primordialmente
cansei por um breve momento
dessa história de gente
se tivesse uma
máquina do tempo
era no elo perdido
o encontro
até o barro novamente
3410.
tudo no mundo posto
e gostar de si vira
obrigação
como correr vida
nesses tempos
de salvação-ostentação
3409.
Paz, justiça e liberdade
Amor não, que é vaidade
3408. novas oralidades
a antropofagia
maloqueira da rima
de esquina
que se esquiva
da sina
de ser assassina
ou suicida
e se ensina
como legado, na vida
3407. Do recrutamento
Quando a merda rolar
onde recrutaremos nossos exércitos?
No meio da gente
letrada da academia?
Entre o salvo-conduto
da esquerda que vai à Europa?
O confronto se avista
se alumbra
e o exército está nas quebras
no meio da lombra.
3406.
all mine tocava
e eu caminhava
de peito aberto
rumo ao mar
não, não era um
comercial da cvv
era meu estado
de se encontrar
com a vida além
do ar
era a dor vindo
pra me salgar
pra me salvar
3405. Liberdade e segurança
Variações de um dia;
levanto-me e durmo
as horas não se alinham mais
docemente rebeldes,
só murmuram o ácido
percurso dos limites:
when I fall
all.
3404.
Assim como o principal efeito
Da redução da maioridade penal
Será a regulamentação da pedofilia
O maior marco da proibição do aborto
Será a explosão de vídeos graciosos
De bebês vomitando papinhas pelas narinas,
graciosamente
E eu amando ainda
À revelia de que tudo conspire e pire para que não
3403. horauroração
senhora sem hora
rainha do tempo
me aurora
porque sempre anoiteço
3402.
Nos começos e nos fins
as almas serão
sempre mais
atentas às belezas
como se existissem.
3401.
No quintal,
à beira da hora dos mortos
junto às galinhas,
essas dinossauras cômicas,
o dia descansava
sem vento
só vida