3449. platitude

a organicidade da tristeza e suas máculas
a plasticidade da euforia e suas fugas
a vibração da alegria e suas luas
a turvidez da melancolia e suas fábulas
a aridez de um dia sem e suas rugas
a sanguinidade da raiva e suas rusgas
a desvanescência das paixões e suas cópulas
a azia do ódio e suas úlceras
a torpeza do amor e suas suas

3448. Visgo de astros

Era um alinhamento,
eu a preveni:
Vênus e Júpiter em Leão,
a Lua Cheia em Sagitário.
Para ela, tanto fazia:
os astros, os quadrantes,
os trígonos e até mesmo elas,
as estrelas
ou eles, os planetas.
Para ela, nada disso bastava em ser
ou em si,
que isso tudo de se maravilhar com o imponderado
ou com o mistério desassombrado
era coisa para quem pouco ou pouca,
vai saber.
Ainda tentei discursos
sobre o curso do infinito
e sua incompreensível tez
de quando se faz na sua cara.
Mas, ela,
impávida,
com esse eco seco sibilante nas têmporas e nariz:
só sei que nada sei,
arrematado ao calor da conveniência:
da vida, me basta que eu aqui esteja.
Não a desamei em desalinho,
apenas replantei as mudas de begônias
que restava lhe dar.
Quem não olha o céu
– pensei –
deixo ao léu,
com suas certezas incertas
e monocromáticas.

3437.

olhos cabulosos
loucura que constrange
olhares longes, longos
dente um no outro, range

a lata, a lama, a pedra
a conversa só
me dá uma intera
passagem que seja
pra eu voltar pro pó?

olhos cabulosos
loucura tensa
a mina, confusa
me olha com uma rusga
e um ódio que nem tenta

a pedra no peito, não deixa

3436. desenterrar

era aqui onde a solidão
estampava bem.
onde ser só, não condoía
era até esperançoso
dissipava as intempéries
caminhava decidido
resoluto com a perspectiva
de contemplar.
desconhecia os rótulos,
desconhecia o tempo e
sabia o que acompanhava.

era puro
era bem aqui,
dentro de mim.

3435. Soneto

Como a mente se arremessa contra o mundo,
Achega-se tudo que o conforma dentro dela;
Todas, mente e mundo, ocupando-se simultâneas,
Fluxo inspirado que movimenta a vida.

Ele que meandra existências em busca de sua escuridão,
Vem à tona, ocaso, só quando a luz se percebe
Incapaz de lograr maior jornada que
O caminho percorrido até as margens do agora.

A mente ergue seus braços, desejosa da realidade,
E quebra todas tentativas de se ocultar;
Arrebentando o mundo em certezas e verdades,

Mas, o que se acerca e precede toda mente
Despedaça-a em mil fragmentos, pensantes ainda,
Dominantes, construtivos, cruéis e demandantes.

3434. como

calma
como o vento dança folhas
ondas desengonçadas pela manhã

calma
como a luz leva longas léguas
de eras para o eros das cores

calma
como as pedras, poros expostos
na derme cambiante da terra, vida

calma
como esse fogo interno
que atenta e atende, tantos, tânatos

calma
como olhares perdidos e ligeiros
buscando fora a cura para dentro

calma
é o que diz essa caneta tensa
psicográfica, discreta proposta posta

3433. dor, em mil novecentos e noventa e nada

eu vi aquela dor passar
sorrateira, ao lado do teatro
foi absurda a cena
mas, eu vi aquela dor

era uma dor tal qual uma de
mil novecentos e noventa e nada,
cabisbaixa, tímida e sutil
centrada na fuga, incólume
benfeita e regozijada
pela música sinfônica
tida ainda há pouco

eu vi aquela dor e
foi maluco
era como se fosse uma dor
encaracolada,
serpenteando transeuntes
ao largo da rodoviária

era como se fosse
uma dor de quando
não havia metrô,
esperando o 385,
p-sul – p-norte

eu vi aquela dor
se assentando
em um corpo parco
semi-esquálido, pouco
sentindo o peso de tudo
desabar naquela superfície
desejosa e casta
perdida, pura

eu vi aquela dor catando
metáforas, enquanto,
quem sabe, o mundo não
a notava

o dia já passava do alaranjado
quando eu vi aquela dor
e a vi com aqueles dois
olhos profundos,
envoltos num poço escuro
de poucos sonhos
mas, pelo menos,
a dor que eu ali vi,
ainda sonhava
cheirava àquela matéria
quimérica que se quer plena
que enamora almas
e que se faz morada até
nos panos postos pelo corpo

era uma dor gatuna
sorrateira, reticente
mas bem doída
e um tanto doida

eu vi aquela dor
e agora queria que
ela me habitasse,

como eu,
perdido na rodoviária
em mil novecentos e noventa e nada

3425. Tela

Sou plana e múltipla.
Disponho todos os conceitos.
Tudo o que em mim veem,
engolem no mesmo momento.
Como se fosse real,
a verdade do amor e do tempo.
Sou como gente é, disposta à
tradução – oráculo, ifá, búzio,
borra, mas lisa como o café
parado na xícara.
Nunca reflito, apenas me doo
para o conhecimento de outrem.
Superfície instável. Desde
quando tudo me percorre.
Me falta um coração. Ele tem.
A carne crua, viva, quente,
aparta ele de mim.

Sou a resposta, agora.
Um homem me comprime e me alisa.
Espera pela frase, espreita minha cara.
Eu lhe digo sua fase e ele se assusta.
Vejo suas lágrimas e não me desespero.
Ele uiva e urra e me espreme contra o peito.
A verdade é convulsiva e imperfeita.
Sou a vida para ele. Ele nunca irá.
À noite, à tarde, ao banho, lhe recomponho.
Ele já não quer mais sua face,
quer sua mudança.
Entra em mim com seus dedos e se edita:
unicórnio de voz aveludada e pelos castanhos.
Desanda dentro de mim. Assim.

3424. estado prévio

cai o sol
cai a lua
sobe o sol
e a lua nem nada
desde quando eu sei
e digo que não
pra doer menos

mas a dor é feita pra isso
fragmentar a vida
entre lapsos
de apatia e não doer

e no limiar entre
o céu de ser dia
e o firmamento de caber
a escuridão que sempre há,
há essas manhãs
solitárias
de tecituras disformes

prova de que há
gravidade em cada leveza
e esperança em cada poro

3423. Universo elétrico

Bolhas, bolhas e mais bolhas
a anos, anos-luz daqui
Quebra-cabeças incontornáveis,
plasmáticos

Espirais de energia
e cadeias explosivas sem fim

Eventos de formação das estrelas no passado
que ninguém comparecerá

Galáxias formadas por correntes energéticas
e campos magnéticos
Rios e mares eletromagnéticos:
a morada dos presentes possíveis

Eletrodinâmica cósmica

Paisagens digitais decifradas por ondas de rádio
Lâmpadas, parafusos incandescentes
Interconectados eletricamente aqui
dentro desse envoltório

Um mundo composto de fibras luminosas
teias emaranhadas
como aquele índio falou
como a cosmóloga que agora viu
como o quântico que encontrou
esse fluxo todo dentro de mim, bioeletricamente

3419. Impresso nas testas

Ele projeta a perna sobre o corpo dela
Ele quer todo o contato
Ela se projeta contra a parede do metrô
Ela deita no seu ombro
Ele brinca com o zíper da mochila
Vago e decididamente
Ele fala algo
Ela põe os dedos nos olhos fechados
Como se contivesse um choro
que no fim, não vem
Ele é bonito
Ela é bonita
Desse tanto que todo mundo
anda sendo ultimamente
Ele tem fios brancos no cabelo
Ela escova
Ele queria saber o que
Ela não sabe se quer dizer
ou mesmo se sabe o que
Ele queria entrar na cabeça dela
Ela queria sentir que se pertence
Ele a abraça amavelmente
Ela finge que dorme
Ele segura seu braço calmamente
Ela quer ar, vento
Ele é bom, ele pensa, ele entende
Ela é ela, ela pensa, ele não entende
Ele faz tudo certo, aliança, espera
Ela espera
Ele acha que merecia mais, dedicado
Ela queria querer, ele é bom
Ele acha que faz pelo bem dela
Ela queria fazer por onde, pelo seu próprio bem
Ele tem certeza que é pelo bem dela
Mas queria saber o que fez de errado
Ela tem certeza que é pelo bem dela
O ego dele canta um blues
O ego dela toca harpa
Ele não consegue entender,
como posso ser tão triste?
Ela não consegue dormir,
como posso ser tão triste?
E logo ali
Onde a panaceia do amor
Se mostrou como no filme
Igual que nem no último capítulo da novela
O ego dele salta pelos olhos,
quase chora
O ego dela salta para dentro,
finalmente o sono a toca