A folha verde,
a força
de ver
recompor o
entremeio
das calçadas,
até comê-las.
Meu nome é Guilherme, poeta , professor de geografia da Secretaria de Educação-DF e mestre em geografia (UnB). Tive AVC em maio de 2020 (isquêmico) não consigo falar ainda. Tenho apraxia e afasia. Apraxia é um distúrbio neurológico motor da fala, resultante de um deficit na consistência e precisão dos movimentos necessários à fala. Afasia é uma alteração na linguagem causada por lesão neurológica.
A folha verde,
a força
de ver
recompor o
entremeio
das calçadas,
até comê-las.
O diabo – e deus –
é esse lance,
que não é mulher,
não é homem,
é gente –
e como a.
Houve uma frase insistente,
ouve:
“Para que lado fica o horizonte?”
Ori onde
ori ente
de dentro
de longe.
Matamos os fantasmas,
roubamo-lhes os espectros,
o plasma solar e o
ectoplasma interno.
Na mão grande.
E agora somos esses
espelhos sem imagem,
que mais apavoram.
A lida constante e
ininterrupta com as
distâncias te faz
se esquecer das
proximidades.
A primeira,
a mais abandonada:
si.
irrefletir por dentro
d’água e refletir o céu
azul do sol por entre
os pelos do peito,
feito arraia dentro da
areia dentro do rio,
como num tempo de
sem horas, de só sol
vagar, devagar, de vagar.
a descompressão do
mergulho no movimento
contínuo das águas
em cachos e correntes.
atar-se n’água.
sempre desconfie
de quem não
pega ônibus
algum dia,
eles encarcerarão
os seus pés
virado no tetéu
noite escura,
um pó branco
cai do céu
aspirava estrelas
por debaixo do véu
e uma manhã de sol
de trevas,
raiava como paga
feito praga
Como ir,
pés rosas
ao rubro barro.
Fina capa em pó,
duros, rachados,
mas pés e flores
ao cabo
e ao largo:
me solto.
É sempre assim,
quando seca
é que eu broto.
Entendo perfeitamente os cortes
e os anjos,
mas às vezes
só entender não basta
só alastra.
Como agora,
quase quebro os dentes
de tanto sentir
pra dentro
e não botar fora.
Me deixa pelo menos aqui
na arte, eu.
Não se morde
não se arde,
me deixa pelo menos aqui
nessa minha parte,
fazer como se…
quem sabe…
o fulgor dela
me botar alarde.
E dizer de um possível
beijo: me tasque.
Já avança a meia
da travessia
e até agora
o brilho não se
fez aos olhos,
como se o desarrumo
das lágrimas atmosféricas
tivessem virado
a luz para dentro
do Sol.
Mas o certo é que
a desesperança do amor
é que me tomou
as rédeas e não
arredou mais pé
até que o céu
de Marte se assomou.
não sou você
nem há encaixe,
há deslize
avalanche ladeira abaixo
e uma nova paisagem
brotando de dentro
da terra,
pó de montanha
para novas planícies
onde me encharco.
Cristais de nitroglicerina
em todo o beijo,
urânio enriquecido
os abraços,
um tiro e uma facada
ao toque dos sexos
e o algodão do doce encontro
– um domínio, dogma não declarado,
o amor É sinônimo de posse,
primordial o fato, o sobrenome dele no papel,
cavalos brancos e pétalas e plumas de príncipes
voando de helicópteros
e o primeiro tapa até o último soco.
Como a mágica frase
anteposta feito poema
no instagram
dos corações solitários,
pesa a tonelada
de transformar a notícia falsa
das sessões da tarde
e suas barrymores
em notícia quente e,
três tuítes depois,
requentada do jornal das oito:
mais um feminicídio computado.
Pensa na música mais bonita
que você já escutou na vida.
Eu provavelmente
a odeio do fundo do meu ser
e essa voz me dá asco.
O que me encanta
te causa repulsa e pavor.
Para além de um talho
na democracia,
é isso que talha
o mundo a existir.
É quando o frio chega nos ossos,
trazendo um punhado de desaconchego e esperança
e como quando o calor se acerca
e tudo desmancha.
vai, se deprecia
afia a ponta da faca e crava
e espera os cravos ao redor do caixão
se deprecia, afia
se deprecia, aflita
bem na beira do precipício
como se fosse o início
dos dois jeitos eles ganham:
um a menos a superpopular
ou mais uma cartela vendida por mês.
anda junto,
pois o intrépido só
só se estrepa
sem tropa ou troféu.
anda só,
pois o estouro da boiada
pode até parecer força,
mas no fundo é só medo.
não aposto no que erro
muito menos no que é certo
é que de perto
qualquer sussurro
pode ser berro.
quando parou para pensar na dor
uma pomba riscou o céu azul
e trouxe a face dela de lã dourada
é naquele templo que há coroação
um infinito de paz na luz dos
movimentos que apaziguam
dores e dilemas
há riscos
sempre há riscos
esporádicas relações de conversa
sem jeito e sem graça.
tudo cansa até o talo.
a única salvação dá-se interna.
dentro é mais seguro
– como as telas das nuvens
e uma senha de cinquenta caracteres especiais.
mindfullness madness
e um buda pregado no umbigo.
(você pode substitui-lo por
um ancap de bigode.)
é da peia
que se aperta
o miolo
na venta
assim como a economia criativa
é suspiro capitalista
para a uberização da arte
e como o arco-íris é o new pink
e como o black continua
sendo metralhado no atacado
por helicocas cariocas
em nome de deus,
pa
i
era um pasmo
cada passo
pássaros
pisando
o cascalho
ainda há lágrimas
lá na gruta escura
que me adentra
mar de agruras
rio de doçuras
lá
gris mar
em veio seco
aqui
grito que vaza
líquido
me perco nos entrepostos das escolhas
como ir rumo ao futuro
é impreterível
retalhos de azul
entre as folhas
retratam a coberta
que nos encobre
feito o céu que é
eu carrego culpas
córrego de rochas
às costas
que eu corredeio
a chave não é a adequação
a algo perfeito
o encontro de algo perfeito
a chave é contemplar
e admirar o seu próprio contexto
mesmo o erro
aberto o berro
desde o peito depilado
ao beiço em barba
o minofauno mata
com uma live mordaz
e um ar de ministro
educando uma geração
como ele existe
eu insisto,
o fabulário
é o novo vocabulário
fônico e fálico
tapou o ar
era só isso
uma vasilha
pra tapar o ar
ela só queria
uma vasilha
pra tapar o ar
acabou comprando um sonho
um sonho maior que as pirâmides maias
que as pirâmides astecas
que as pirâmides egípcias
era um sonho dourado
além de verso
além de vida
era um sonho de grana pra caralho
grana pra porra
mas antes
antes de tudo isso
ela só queria uma vasilha
uma vasilha pra tapar o ar
tenho sonhos
tenho sonhos
tenho sonhos de aldeia
tenho sonhos de esteira
tenho sonhos de ribanceira
tenho sonhos de sesteira
tenho sonhos
tenho sonhos de aldeia
mas não sei uma parede levantar
tenho sonhos de aldeia
mas to o tempo inteiro plugado no ar
caminha ainda caminha
em pasmo e destruição
caminha ainda caminha
o que contempla sucumbirá
caminha ainda caminha
o que vira não mais verá:
a vera cruz ceifando
os campos
tornado os campos
em que não era, verá
eu vou jogar ouro nas ondas
eu vou jogar ouro no mar
eu vou jogar ouro nas ondas
que é pra ver ele se dourar
e dourado vai ficando
mar de sol pra se espraiar
um dia de fúria contida
e no fim trafegar pelas
ruas retas e solitárias
das noites todas tristes de Taguatinga
uma vertigem pelo prédio em formação
e os cheiros de bacon, beladona
e bosta de pet pisada
no dia do n’amor roubado
acreditava na vida e nas vias
como se todo cruzamento
suprassumo das possibilidades
fosse o casulo de um potro indomado
hoje as ruas são claustro
desmesura de urros não ouvidos
e os passos de um fim de dia qualquer
nauseante de imagens e odores
não amo essa cidade
não possuo nenhuma cidade
só uma dor rural que arde
na ponta do peito
eu nunca esqueço as caras
mesmo na penumbra
onde todas as caras são as mesmas
e as curvas
e as entrâncias
e reentrâncias
e a lisura que se imanta em todo o contexto de pele
ainda que gasta e enrugada
acho que era a dama da discodil
ela se chamava a dama da discodil
pura energia da rua e das chamas
afirmadas numa aposentadoria que nunca virá
dia após dia
noite após noite
cansaços e descasos
casados em camas temporárias
como a carteira não assinada
a dama das escadarias da discodil
que eu nunca vi e nunca esqueci
não fala aqui
não há lugar para sua fala aqui
sou eu quem rouba a sua vida
e não pago nada
ela no sufoco
eu a usurpo
a rua como testemunha
a esquina e a escadaria também
há esses buracos pelo corpo
mas eles não são percalços
são artifícios aerodinâmicos
para correr mais rápido
e romper o ar
e eu corro, corro, corro
como se não houvesse parada
corro para ver se o futuro
se aproxima logo de uma vez
e se a distância do passado
se concretiza
e se o exercício da história
não se coaduna no agora mais uma vez
e se o eterno retorno não me entorna
daí eu corro demais
só pra me ver passar ao futuro
e transpor esse presente
na base do ansiolítico,
ternamente
No meio do processo nos encontramos
– pausa para as bombas
aquilo fora apenas uma demonstração,
Herba Life para os não alinhados
saborearem o gosto da pimenta aérea
Eu te vi de mão no queixo
e de pernas n’água
Cê me viu me vendo,
montado num elefante
Eu cheguei mostrando as parte,
cheguei me despindo
Algumas partes em regeneração
outras puro sangue
Cê tava de poesia
Eu portava alguns poemas
e uma prosa trôpega
Mas cê me deu a mão
em meio às possibilidades
e eu vinha com a ilusão
e todas elas a salpicar meu corpo
Mas cê foi o possível que se abria
e o impossível a ganhar tônus
Nos encontramos no meio da reverberação
e vibramos tantos tons rubros
tantos sons
e essas coisas que não ocorrem cotidianamente,
tampouco inesperadamente
Cê veio filme europeu
ou cena de algo assim dialogado e imagético
Senhora de mil faces
em mil luzes e sombras miúdas
encostando as cortinas
E daí nos encontramos
dentro d’água donde o sal limpa e benze
As correntes do mar
e o magnetismo que nos encaixava
eletrificavam as pulsações do horizonte,
uma festa de espaços chumbo
e o sol de arrebentação
Coincidimos no meio das estações,
como dois sequiosos por todas as frutas
de todas as épocas
e pelo nosso sumo a escorrer
ávido e vívido entre os lençóis de cambraia
e os edredons de algodão
Vergando as possibilidades a virarem
o agora num e numa,
além dos braços mais indianos e oferecidos
e as faces tão perto, tão perto, tão perto
que ciclopes de Cortázar se faziam nos travesseiros
Corremos matas, matos, pontes, pontas
e até céus de morros verdes
em sinuosidade avoada
Caminhamos para um pouso orbital,
nossas casas que se conectam no lirismo
dos sonhos transponíveis
Nos encontramos
a cada encontro
quando nossas palas lavram
campos de flores e palavras e toques
Minha mão pousando em tua coxa,
a tua se enrolando nos pelos do meu peito
A presença contínua
O fato é que a assunção – ideológica? – de tantos e tantas a serem e não praticarem, ocorre de forma contumaz em contrário de uma prática mais agressiva, mas nunca tida como a sua real constituição.
Explico: esses tempos, no colégio, tenho me deparado com um punhado de jovens aos quais e às quais só posso classificar como evangélicos e evangélicas não praticantes. Vão até o chão se preciso for, bebem Kriskoff e Pedra 90 se assim vier, mas são crentes, sempre e antes de tudo.
Tal curiosidade me levou a um momento atrás no tempo em que andava às tantas pelos mesmos locais em que um senegalês também estava – cá em terras ameríndias vivente há uns três anos. Colávamos por ambientes de samba, djamba, suor e cerveja e em certo dia descobri que ele era muçulmano.
Me surpreendi, confesso.
Talvez e certamente por preconceito, mas enfim, tomei coragem um dia e o inquiri: e como você lida com os vícios? Ao que ele me retorquiu: rapaz, depois que cá vim, deparei-me com o curioso fenômeno do católico não praticante, encantei-me, desde então inaugurei esse mote de ser islâmico não praticante!
Disso só consigo identificar uma coisa: no Brasil a não prática praticante é que ordena a crença e a fé.
quando o sol
do meu signo saliva,
arder até o suor
sair à pele
contra os anti-globalismos
vomitantes
o neo-pan-geísmo
que sagrar-se-á
como um para-geísmo
numa meta-gema
Ela tinha tentáculos espiralados
que saíam da cabeça
e eram dezenove
Nunca compreendi a numerologia,
mas ali fechava um
O mundo lha dissolvia em sal,
ela vertia
Mas havia um buraco em nossa frente
e falei para pularmos
Ela recuou três passos atrás,
o buraco era escuro e muito,
fundo
Abriu as ventosas dos tentáculos
e pregou-os numas raízes de fícus
que rasgavam a calçada
Eu descarreguei meu carretel
e me empinei,
a linha se prendeu nos galhos do fícus
Ela mexia seus tentáculos
e a árvore balançava,
eu embicava no ar e o rasgava
Sempre haveria aquele buraco
em nossa frente
Ele tinha uma escuridão bonita e vermelha
da matéria de sonhos
Toda hora você pensa que pode conseguir sua autonomia de volta
a cada respiro a mesma imagem mental vulto de pensamento
vulgo pensamento
vulgar
volta:
Conseguir as rédeas do próprio cérebro
reconduzir a dinâmica das próprias sinapses
sem pró-bióticos ou alopatia
sem ervas ou espíritos
Mas a morada dos pensamentos insones ocupa mais que a cabeça
– terei o controle! serei o puro equilíbrio!
e num instante tudo retorna ao mesmo ponto de descontrole:
cirza as cuecas, requente o almoço, prepare a aula, passe a roupa
lave a casa, lave o pinto, leve o peso, levante os halteres, lento o movimento
perfeita a conduta, não se atraia, não traia, não tente, não atente
atenção plena, planeje e executa, penteie a barba, paste o dente, pasta de berinjela
não coma a vida, não coma a morte, observe o câncer
frite apenas dois minutos de cada lado para o ponto ideal
acenda uma vela, bata a cabeça, vista branco, ventile a casa
cuidado com a pressão, tome o remédio, olhe o fígado
desopile, fume um, beba uma dose, dance, denso dedo no gatilho contra a cabeça
diásporas que não findam, inquietude de Maya, encarnação furada, deu errado
tente outra vez, password, reset, try again
ame com pureza, dê liberdade, liberte-se, leia a mídia alternativa
veja esta opinião, siga os signos, tautologia, hermetismo, Marx está certo
controle a boca dos outros, imponha respeito, mantenha o respeito
assista à live do louco, é loucura ou perversão? é burrice ou bestialidade?
são as mesmas coisas numa moeda que não vira
e de novo a condução parece simples e fatal:
Conseguir as rédeas do próprio cérebro
reconduzir a dinâmica das próprias sinapses
sem algorítimos ou alegorias
sem endorfinas ou suicídios
Toda hora parece ser a derradeira em que o que você quer
se manifestará plenamente sem nenhum adendo ou pitaco de aplicativo
ou teorema de bem-estar ou pisoteio de filha da puta de farda, bata ou túnica
maçônica ou canônica ou tônica ou biônica ou fônica ou supersônica
– passe de mágica mindfulness; depois de quinze minutos de meditação
por duas semanas consecutivas brotou ou rebrotou o meu eu pleno de seu vazio de eu
com a certeza calma e doce de que tudo perecerá como dor e tambor
saraivada de saravás que direcionam o torto ao reto e à retidão
Mas por onde anda a voz que revelará o que não consegue sair da cama?
– levanta e anda! ele disse –
– como se fosse fácil, filho da puta –
E cega a mente se repete sem seguir caminho algum
dia após dia
noite após noite
num ermo campo de ideias em choque deixando imóvel o corpo
sempre aderente a um rasgo de alma
“O Rei do universo é o supremo Anarquista criminoso”
(Slavoj Zizek)
Meteu-se ali num cofre
junto aos pisantes
aos possantes
aos diamantes
às peitas
cada qual mais de dois k
Meteu-se ali num camarote
junto à ciroc
ao engov
ao pós-pagode
ao suor da sorte
tudo mais de cinco lives
Meteu-se ali num condomínio
junto à jacuzzi
ao coach influencer
à varanda gourmet
sem nenhum mimimi
Meteu um tiro
no espelho
e adentrou ao paraíso
com sete virgens
quando morreu e o da antena transmitiu:
“mata, mata, mata!”
Viveu tudo o que seu bandido deseja,
numa potência loka
Solitariamente diluído
falo uma língua inaudita
fruto de uma história que
não se cruza:
flor que nasce do perigo
de empenar a esponja
quando tudo é
Peri
gozo,
onde nenhum
labirinto de lábios
suportaria pelekus
labrys
oxês,
e o ritmo é que
cadencia os passos
e conduz as veias
sobre as contas
dispersas na tábua de Ifá.
Mesmo que seja
o caminho púrpura de Iku,
esse jogo deu Odara,
vamos.
Estava com os olhos
absortos sobre suicídios
exemplares,
no abafado enjaulado
do entremeio de fileiras
solitárias e repletas
da sala de – inércia
e panela de pressão –
aula;
duas me inquiriram:
do que tratam as páginas,
professor? – adestrador
de corpos e hormônios
entre conexões desenfreadas.
[Pasmei os segundos
procurando o que dizer,
sem tirar – ou colocar –
o vislumbre de vida
ainda repousante nos
parcos ombros de
doze translações.]
Falam sobre a vida
e o universo de a ter
e a tirar, como Ele,
disse.
Olharam-se e se riram contidas,
aliviei-me aflito,
ainda não percorreriam essas sendas.
Essa coberta de Deus
tem muitos furos
e pouco pano,
uns se cobrem
outros ao relento
nem chegam ao engano.