toda flora sorri quando vê você
a intestinal, inclusive
3105.
o tempo e seu pendular incerto
ainda ontem eram os enjeitados e seus terrorismos poéticos
hoje são esses fiéis em seus terrorismos proféticos
e o resto num teorismo patético
3104.
a chuva nunca
pisa em um filho seu
quando parece
e tudo desaba
é só um aletra
ou justa mágoa
3103.
contra os ismos hoje
só paus, bucetas, bundas
contra tudo isso
só o nada todo
3102.
Agora pedra
amanhã estrato,
camada.
Como se a Algo
bastasse
a imobilidade.
3101. Cobre
as horas tem esse poder
quando o ar não se sobressai
tudo sofre
tudo para
tudo pousa
e à noite o silêncio cobre
3100.
há órbitas
e astros
e eu acaso
contemplando
entre
o vago
3099. Pra ela
Cada manhã
nunca a mesma
Cada dia
o mesmo
Nem que eu decomponha
toda solidez
os dias hão de ser
vastos para as manhãs
serem todas
3098. Advérbio
No princípio era o pó
complemento de toda ação
e as primaveras
eram para poucos
para os loucos
e ficavam presas
nos páramos paralelos
de dentro de
cada poro, a tecitura
de todo porém,
que conduzia ao mesmo pó
que em tudo nos contém.
3097. Sei lá, um dia
Essa plena paisagem plana
no poente dessa cidade planejada,
vista dos campos de barro vermelho bruto
ponteados de resquícios de concreto prateado,
nesse palmital de guarirobas descampado,
não é bela nem sublime
É no horizonte um limite
para o inalcançável do além
de onde, sei lá, um dia, algo vem
3096.
Um dia a palavra
te toma, te doma
e toda objetividade
cai em coma.
3095. Budismo carnívoro
Quando todos os dias são iguais
segundas, terças, sábados a menos e a mais
fugir da ilusão, é mera ilusão.
3094. Até beber
Derrete
teu corpo
inerte
envolto
à tarde
em líquido
tortuoso
verte
um fio
revolto
salgado
aquoso
roça a derme
pelo dorso
desce
pelos poucos
pelos
segue e
para
nos
– nus –
ondes
morro,s.
3093.
Tua cruz
enclausura
minha flecha
liberta
não para
o além,
para a meta.
3092.
a ética do amor
e
a métrica do horror
como
quantas pétalas
mesmo tem a flor?
3091. contigo, logo
eu dispenso
o chão
despenco pro
céu então
3090.
the tree
is most free
I don’t see
but I breathe
3089. Casuística de casos em sinais
cá os carros
caos acasos
causam casos
já corroídos
como esses
mesmos carros
no verde idos
3088. Ceilondres
Aquelas todas flores
amarelas no entulho
rezam algo como um verão louco
No silêncio do lixo
um barulho
E as mamonas,
as mamonas africanas da infância,
um verde murmúrio
O soco das plantas no concreto
diluído e bruto
é a parca paz do horizonte alucinado
de prédios ouriçados
Um absurdo
Infuso, infame, infantil
eu urro
No feio das quadras quadradas
retas
morro horizontal
das cores não mais surdo
3087. Singular coletivo
Cada um em sua bolha
Dentre todas as verdades
apenas uma escolha
Você dentro de uma garrafa
seu mundinho e uma rolha
Boiando em meio ao mar
ou qual na floresta uma folha
3086.
me resguardo.
não pára quando
o carnaval chegar,
não para a purificação,
nem posto, dado a perdição.
eu rês, guardo-me
numa regurgitação
entre o estômago e a boca.
sem pré, sem pós
sempre no limiar do excremento.
excrescência de consciência
que não crê,
é pura ciência em crença.
daí que eu aguardo,
Algo
e me agarro nesse resguardo:
vísceras num acaso pausado.
3085. Os humores do romantismo
3084.
E o cio me borbulha
E o ciúme enferruja
Em si o mar de lava
Enciumar em navalha
Ensimesmar se o cio me é
Em si mesmo o ar duma fé
Vai dar pé
Vai dar pé
e pau
Amém
3083. Postulado I
Sua vida vai reduzindo,
minguando,
seu corpo murcha.
O olhar não penetra,
transpassa.
Sua matéria fica translúcida.
O afã, o fogo,
tudo se apaga no gelo da horas
e sua cara de tacho vira infinito.
Você ousa colocar a mão
e a mão se desfaz em poeira.
Você aspira a poeira
e ela faz ponte com o esôfago.
Dias e mais dias de peso no peito.
“Eu sei, você sabe que é frustração”
e nem mesmo se é o vilão.
Dias em que não se acorda
nem o cachorro.
Dias em que se mensura a distância
na base do carinho
ou no seu paradoxo.
Lonjura,
lonjura
e uma vertigem
e uma tontura.
Tortura
e essa coisa atravessada na goela.
3082.
tem coisa que te pega
pega e prega peça
tem quem peça pela paga
tem quem pague e se apegue
e mesmo quem apele
e pele mesmo a pele
e apele para praga
pois quer pagar
pegue a peça
e procure onde por
sem ponderar, peque
se piorar, pese
3081. Vertigem visionária
Passo a traçar leve um bloquinho
Dentro de cada tom
Ensaio uma imagem, oração, quadro, canção
Meço intuitivo a linha tímida
Que para de verso em verso
Ouso grafar pensando só no som
3080. Pra ver
Você não paga
eu gasto,
não é que eu seja
um tarado,
é só essa minha
Vênus em sagitário.
3079. M.S.C.
Ai o cafuné,
todo mundo quer,
ninguém doa…
3078. Tão dito e não feito
Como não se diz,
condiz
com ódio e afeto,
é entre o vermelho
do teu céu
e o anil do meu inferno
todo o desterrado
deserto
dos nossos egos
em nexo.
Muito papo,
pouco sexo.
3077.
compartilha, compartilha
e mostra
que você é uma ilha
“a centenas de milhas daqui”
sampleando tudo
pára, fraseia e
meta fisicamente em si
antes da ida e esperada vinda
antes de copiada a partilha
reflita
o que você mesmo queria
não pia pia
como matraca estarrecida
filtra
3076. Sufi V
o tédio do consumo
e um mar invadindo tudo
em teu plástico e teu carro
tua plástica e tua arte
esse desastre existente de sartre
ecológico nicho torto de nietzsche
um hedonismo imagético
enquanto tiros são sonoplastias
vívidas dentro do cinema
o tédio de tudo
na impressão do já feito
como espetáculo e fábula
e as vozes na tua cabeça te dizendo
como publicar tuas ideias
como dar voz às vozes
é a fragrância do bonde da esquizofrenia sem freio
o tédio do medo
explicado e tabulado
em cifras, números, infográficos
por especialistas que dispõem
as generalizações mediadas
midiáticas
feito autofagia dogmática
ou apenas mais uma religião
onde deus usa os teus rastros na internet
para a pena e a punição
fomentar tua culpa judaica-cristã do islão
o tédio da fuga
e a maior de todas predestinada
na procrastinação do céu
pois o que deus promete ele cumpre
como teu horizonte de expectativa
posto num livro das revelações
esse disse me disse telefone sem-fio
de séculos tabulado e explicado
por imãs rabinos pastores párocos
o tédio do tédio
é por ele e pelo fim
que te tornas gado de corte
e não te retrais ao estágio de antes do avançado
quando sentia o mundo deus girando
não iniciando e nem finalizando
posto que na beleza ele se fiava
apaga a informação
dança gira
deus é festa e beleza
não promessa
3075. Ciência
o carinho é
essa via de
mão dupla
tão sinônimo
da distância
de quando em vez
tão desfaçatez
de tanto a tanto
tão urgência
e mesmo enquanto
só latência
3074. Instrução
o desejo dói
na ponta
quando a anca
silencia a lança
logo cedo
dói a mais
no ponto do
peito:
o receio do
não anseio.
latejo
lá no tédio
mora o medo
3073. Sufi IV
Teu deus dança
gira
enquanto parado medita
Teu deus pensa
grita
conquanto em si afina
Teu deus salta
vibra
em ti rima
Teu deus lança
acima
e um tanto só pista
Teu deus cansa
brilha
no arremedo de bruma da esquina
Teu deus emana
reflita
espalhado em cada espelho de não e vida
3072. Sufi III
O que via tudo de todos os ângulos
em todas as direções
quando todos os momentos se sincronizaram
tropeçou num meio-fio
A que ficou contemplando os milímetros
programando as partículas divinas
acelerando o universo até o avesso
caiu de cara no chão
Alguém que só existiu
também morreu
em imersão de amor e sorte
E a flor da vida dada pela poeta orientando o avante
palideceu sob a mesa do profeta
retornou ao tamanho da semente
semeou-se ilesa e indefesa
A beleza da decomposição
3071. Sufi II
Viver a dar voltas
dar voltas a viver
nas voltas a vida vai
pelas voltas a vida vinha
voltando, a vida irá.
3070. Sufi I
Quando turvas as vistas
trais o visível,
enamora-se do impronunciável.
3069. Fogo fortuito
O meu fogo em riste
Imagino a temperatura que me abarca: umidade e terra
O escondido da caverna
Mas eu sou todo sangue que ferve
Músculo
Rocha
Hasteando temporário
No ecúmeno da gruta
A bandeira vermelha flamulante
Vulcões e lava
A arrasar todo o relevo
Há um vale
Que tremula, arrepia tuas terras
O que me derrama
Te arremata e arrasta
Erode teus receios
Em vapores de enxofre e lavanda
Desce ao inferno
É qual o maná de todo sétimo céu
Jorros e mais jorros de néctar e fogo
Incessantes
Bruxas cozem poções passionais
Nessas brasas
E o que explode alcança o céu
Vai, navega meus caldais
Que existem
Borbulha em fluxo contínuo
Acende as tochas nessa caverna
Ilumina o teu contido
Sai das sombras
Queima
Em toques
… o magma…
3068. Plano plácido
Agora não importa
qualquer onde,
porque eu vou explodir
todo o horizonte.
3067. Ideologias
É tudo tão próximo
Todas as antípodas
Se tocam nos polos
3066.
quem é partido
à força ido
resta sempre pensativo:
quem lá ficou
o que terá acontecido?
já quem é ficado
do ido apartado
pensa um bocado:
será lá assim,
um tanto assemelhado?
3065. Politicamente correto e inclusivo
Se até o google ganha
dinheiro com uma economia
das palavras, por que
não posso aspirar por
uma revolução semântica
que nos dê asas e faça
da glosa um mote assim
de artilharia metralhada?
3064. Revisão
Não, não tem que religar nada não,
quando eu nasci
já se deu a ignição.
3063. Meu Reino
Um terreno meta-terrestre
um pedaço de terra
num terreiro
um território inteiro
entre o orun e o àiyé,
um tao, no meio.
3062.
sou do tamanho dos
meus átomos que se repetem
incansáveis desde o início
das eras:
luz, onda, negra matéria
inércia
esse momento todo cheio
coisa perene e etérea
3061. Palestra
Parece festa
no final, só
o sono resta.
3060.
Toda fuga ideológica
Toda forra teológica
Toda lógica
racional, cartesiana
é mera, insólita,
quando sólida
pois ocasional e dinâmica
3059. Diáspora
dias ásperos
de espera
parca esperança
pedaços espalhados por cada parte
esparsados
esmigalhados
existências diluídas
em tantas gotas de sangue
em vários portos
unidades dissolvidas
misto de dor, degredo e desespero
banzo e distância
diáspora
desterro
3058. Na hora oeste, jaz a luz
bem na frente daquele
chumbo aquoso rasgado
em clarão partido
pendiam cachos roxos
dum ipê florido
nesse sítio improvável
para um junho já ido
um noroeste todo
a ser erguido
bairro bruto ornado
no barro ecológico
por fim construído
o sustentáculo
do chumbo que partirá
ares dos poucos
pulmões ali comprimidos
pelos tantos futuros
pés transeuntes automotivos
uma cilada à hora exata
em que pousa o ocaso
enternecido
resulta ali no meio
dos cachos, da chuva,
do roxo – tudo tão vívido
uma parte tanta
do meu ainda coração
já todo partido
3057. liga nóis patrão, o devir da questão
no flow da passada
no moinho de vento
no martelo rodado
no tapa
na oralidade eletrônica
no mix devir
na flecha da ponto quarenta
o passado se conecta
moto perpétuo
não ressurge
o passado é
vapor pra cima
a treta é densa
ninguém saca porra de nada
a não ser quem tá dentro da parada
era chibata
era chicote
gás de pimenta é mote
cassetete
grade e cacete
sem exalar o olor das flores campestres
o esgoto corre podre pelas
beiras das senzalas
todas às favas, as favelas desencantadas
pelas sociologias de cafés e bistrôs
o bonde tá formado
corre mais quem tá no lodo
quem tá no asfalto não sabe do bote da cascavel
ou do bote da bura
ganha os ares em helicópteros
ganha as cifras e os cifrões
ganha a grana e a gama dos horizontes de expectativas
rouba futuros
oxalá ganhará artilharia antiaérea
na lata
na fuça
nas venta
assados no rolete
o quilombo é o front
nos lemos malês inteiros
a aldeia é o front
xavantes avante guerreiros
o banco é o alvo
a democracia participativa é o alvo
a comunicação é o alvo
liga nóis não
o xis da questão é o foco
é o alvo
você é o alvo