3088. Ceilondres

Aquelas todas flores
amarelas no entulho
rezam algo como um verão louco
No silêncio do lixo
um barulho
E as mamonas,
as mamonas africanas da infância,
um verde murmúrio
O soco das plantas no concreto
diluído e bruto
é a parca paz do horizonte alucinado
de prédios ouriçados
Um absurdo
Infuso, infame, infantil
eu urro
No feio das quadras quadradas
retas
morro horizontal
das cores não mais surdo

3086.

me resguardo.
não pára quando
o carnaval chegar,
não para a purificação,
nem posto, dado a perdição.

eu rês, guardo-me
numa regurgitação
entre o estômago e a boca.
sem pré, sem pós
sempre no limiar do excremento.
excrescência de consciência
que não crê,
é pura ciência em crença.

daí que eu aguardo,
Algo
e me agarro nesse resguardo:
vísceras num acaso pausado.

3083. Postulado I

Sua vida vai reduzindo,
minguando,
seu corpo murcha.
O olhar não penetra,
transpassa.
Sua matéria fica translúcida.
O afã, o fogo,
tudo se apaga no gelo da horas
e sua cara de tacho vira infinito.
Você ousa colocar a mão
e a mão se desfaz em poeira.
Você aspira a poeira
e ela faz ponte com o esôfago.
Dias e mais dias de peso no peito.
“Eu sei, você sabe que é frustração”
e nem mesmo se é o vilão.
Dias em que não se acorda
nem o cachorro.
Dias em que se mensura a distância
na base do carinho
ou no seu paradoxo.

Lonjura,
lonjura
e uma vertigem
e uma tontura.
Tortura
e essa coisa atravessada na goela.

3082.

tem coisa que te pega
pega e prega peça
tem quem peça pela paga
tem quem pague e se apegue
e mesmo quem apele
e pele mesmo a pele
e apele para praga
pois quer pagar
pegue a peça
e procure onde por
sem ponderar, peque
se piorar, pese

3077.

compartilha, compartilha
e mostra
que você é uma ilha
“a centenas de milhas daqui”
sampleando tudo

pára, fraseia e
meta fisicamente em si
antes da ida e esperada vinda

antes de copiada a partilha
reflita
o que você mesmo queria

não pia pia
como matraca estarrecida
filtra

3076. Sufi V

o tédio do consumo
e um mar invadindo tudo
em teu plástico e teu carro
tua plástica e tua arte
esse desastre existente de sartre
ecológico nicho torto de nietzsche
um hedonismo imagético
enquanto tiros são sonoplastias
vívidas dentro do cinema

o tédio de tudo
na impressão do já feito
como espetáculo e fábula
e as vozes na tua cabeça te dizendo
como publicar tuas ideias
como dar voz às vozes
é a fragrância do bonde da esquizofrenia sem freio

o tédio do medo
explicado e tabulado
em cifras, números, infográficos
por especialistas que dispõem
as generalizações mediadas
midiáticas
feito autofagia dogmática
ou apenas mais uma religião
onde deus usa os teus rastros na internet
para a pena e a punição
fomentar tua culpa judaica-cristã do islão

o tédio da fuga
e a maior de todas predestinada
na procrastinação do céu
pois o que deus promete ele cumpre
como teu horizonte de expectativa
posto num livro das revelações
esse disse me disse telefone sem-fio
de séculos tabulado e explicado
por imãs rabinos pastores párocos

o tédio do tédio
é por ele e pelo fim
que te tornas gado de corte
e não te retrais ao estágio de antes do avançado
quando sentia o mundo deus girando
não iniciando e nem finalizando
posto que na beleza ele se fiava

apaga a informação
dança gira
deus é festa e beleza
não promessa

3072. Sufi III

O que via tudo de todos os ângulos
em todas as direções
quando todos os momentos se sincronizaram
tropeçou num meio-fio

A que ficou contemplando os milímetros
programando as partículas divinas
acelerando o universo até o avesso
caiu de cara no chão

Alguém que só existiu
também morreu
em imersão de amor e sorte

E a flor da vida dada pela poeta orientando o avante
palideceu sob a mesa do profeta
retornou ao tamanho da semente
semeou-se ilesa e indefesa

A beleza da decomposição

3069. Fogo fortuito

O meu fogo em riste
Imagino a temperatura que me abarca: umidade e terra
O escondido da caverna

Mas eu sou todo sangue que ferve
Músculo
Rocha
Hasteando temporário
No ecúmeno da gruta
A bandeira vermelha flamulante
Vulcões e lava
A arrasar todo o relevo

Há um vale
Que tremula, arrepia tuas terras

O que me derrama
Te arremata e arrasta
Erode teus receios
Em vapores de enxofre e lavanda

Desce ao inferno
É qual o maná de todo sétimo céu
Jorros e mais jorros de néctar e fogo
Incessantes
Bruxas cozem poções passionais
Nessas brasas
E o que explode alcança o céu

Vai, navega meus caldais
Que existem
Borbulha em fluxo contínuo
Acende as tochas nessa caverna
Ilumina o teu contido
Sai das sombras
Queima
Em toques
… o magma…

3058. Na hora oeste, jaz a luz

eu sentia
e não fazia sentido

bem na frente daquele
chumbo aquoso rasgado
em clarão partido
pendiam cachos roxos
dum ipê florido
nesse sítio improvável
para um junho já ido
um noroeste todo
a ser erguido

bairro bruto ornado
no barro ecológico
por fim construído
o sustentáculo
do chumbo que partirá
ares dos poucos
pulmões ali comprimidos
pelos tantos futuros
pés transeuntes automotivos

uma cilada à hora exata
em que pousa o ocaso
enternecido
resulta ali no meio
dos cachos, da chuva,
do roxo – tudo tão vívido
uma parte tanta
do meu ainda coração
já todo partido

3057. liga nóis patrão, o devir da questão

no flow da passada
no moinho de vento
no martelo rodado
no tapa
na oralidade eletrônica
no mix devir
na flecha da ponto quarenta
o passado se conecta
moto perpétuo
não ressurge
o passado é

vapor pra cima
a treta é densa
ninguém saca porra de nada
a não ser quem tá dentro da parada
era chibata
era chicote
gás de pimenta é mote
cassetete
grade e cacete
sem exalar o olor das flores campestres
o esgoto corre podre pelas
beiras das senzalas
todas às favas, as favelas desencantadas
pelas sociologias de cafés e bistrôs

o bonde tá formado
corre mais quem tá no lodo
quem tá no asfalto não sabe do bote da cascavel
ou do bote da bura
ganha os ares em helicópteros
ganha as cifras e os cifrões
ganha a grana e a gama dos horizontes de expectativas
rouba futuros
oxalá ganhará artilharia antiaérea
na lata
na fuça
nas venta
assados no rolete

o quilombo é o front
nos lemos malês inteiros
a aldeia é o front
xavantes avante guerreiros

o banco é o alvo
a democracia participativa é o alvo
a comunicação é o alvo

liga nóis não
o xis da questão é o foco
é o alvo
você é o alvo