Casca não fala
Concha não conta
Esse segredo de pérola
3688. Rio
Toda água pro mar retorna
Espuma e sal nessa bruma
Doce cai e aqui transborda
3687. ansiodorum
longe dos ondes
preso nos quandos
uma vida de não
estar aqui
3686.
Havia uma suspeita
ancorada no porto
à beira do cais
Um navio chamado Caos
em algum momento
enfrentaria a arrebentação
Um acúmulo de nuvens
prateava o céu
anunciando a tempestade
O que haveria em meio
à branca espuma
que se turvaria logo mais?
Assim que zarpasse
a brevidade do Caos se daria
Um naufrágio na inquietação azul
Pedaços do Caos à deriva
se veriam à milhas náuticas
enquanto o resto afundaria
mil léguas submarinas
Destroços recompondo-se corais
morada de peixes
Do Caos um equilíbrio em plenitude
mas só depois do desastre
anunciado
3685.
se te falasse continentes
que mares me responderia
com qual sotaque de
vento acentuarias as palavras
e que abissal me segredarias?
3684. Etnografia de um possível casal
Ela e ele mantêm uma
certa distância
Nunca muito longe
Nunca se tocando
Sempre um quase
Por ser ele e ela
inferi ser um casal
mas pode nem sê-lo
Uma amizade certamente
Um amor lento se
recompondo, as bodas
de um fim, sol de fel
da separação
Companheirismo apenas
Andam vagarosamente
pela praia, da pedra
à foz, todo dia
Falam pouco, muito pouco
monossílabos olhares
mares de já se saberem
Ela olha com cuidado indiferente
a pele vermelha dele,
a forma como puxa os pelos
da longa barba, num auto carinho
repleto de falta,
o jeito como se alonga
espreguiçando e o modo
como alimenta o cão adotado na Cueira
Ele olha ela com saudade
de si mesmo e dela,
vê a areia que se prende
à sua pele preta,
a maneira discreta e centrada
com que move longamente
os braços para gesticular,
o traço da boca molhada
a falar “formidável” com
todas as sílabas
Se levantam e caminham até Moreré
enquanto o mar lhes acompanha,
lavando os seus pés
na mesma cadência lenta
de seus passos
Conversam na língua das ondas,
de quando em quando,
no dialeto do vento
soprando breve os coqueirais
E o cão lhes acompanha cabisbaixo
3683.
em si o
mesmo mar
te entra’
qui te sai
netuno
3682. urubu
asas abertas
o vento te leva
em descoberta
3681.
Há uma curva
no avolumado das águas
Diziam que por detrás dela
o abissal ganhava vida
na superfície das ondas
e toda a sorte de quimeras
destroçava naus e faluas
engolindo marinheiros
e vomitando rochedos
Tritões estrondavam
os mares, sereias rompiam
a cabeça de desejos
entalhando a loucura
E lá no fim, segredando
o profundo azul,
a súplica dos oceanos
se fazia ao último instante
desabando os fragmentos
restantes numa queda
sem fim dentro da noite
que envolvia a Terra
Por dentro do firmamento
toda água virava espaço
Trevas feitas de mares
Diziam
Era um mundo encantado
Sabiam
3680.
Deixar no cais
é a primeira instrução,
sem despedidas
e sem retornos.
Quando vais
voltas nova construção,
mesmas medidas
outros transbordos.
3679. Ensaio sobre fins
A percepção do tempo é só demoras.
Tudo parece atrasado.
E toda decisão adiantada.
O imponderável é a única certeza.
3678.
o neguinho bonitinho
não queria mais
olhar para mim
quando ele virava
os olhinhos
e sambava
bem no miudinho
sambei no bem largo
tombei sem encontrá-lo
3767.
todo mundo ali
menos ela
ele sabe que ela lá
não sei onde
ele sabe que não há o que fazer
a não ser mapear
o zigue-zague das bilocas
suspensas em meio aos olhos
e inferir onde quer dar
essas lágrimas que se restringem
ao aquém da festa
buscando frestas
para onde olhar
3676.
vem cá cuidá d’eu
vem cá cuidá de mim
vem cá cuidá do todo
que as parte é bem facim
3675.
ao lado do elevador lacerda
estava lá, o três de ouros
escondido, virado
eu poderia ser uma chave
só faltava a fechadura
que se prestasse para
destrancar
eu poderia ser um ponto
agregador do infinito
união de tudos para
sermos múltiplas
mas foi assim
um três de ouros só
no chão
pronto para que eu o
encontrasse
e o significasse
transformei-o em três de luas
e congreguei todas as ilusões
3674
toda pele é linda
e vai ficando mais
conforme o tempo
cada camada de vida
lhe deixa traços
marcas dos trajetos
das mudanças variações
até a pele das cidades
de pedras pós piches
cimento e asfalto
cada ruga um assomo
cada flacidez um delírio
todo tempo é lindo
seja perto do começo
ou porto para o fim
3673.
o tempo todo comigo
será bênção castigo
paz de espírito
ou amargo suplício?
3672.
a face do desequilíbrio
tem uma tez clara
e cansada
desperta por alcaloides
carrega nos genes
séculos de vitórias
nunca aprendeu a perder
tem olhos que vibram
feito cocaína
pupilas em sangue
músculos inflamados
bronzeados por leds
é uma pele lustrosa
couro esticado
estrias controladas
rugas aplainadas
tudo lixado e envernizado
pausa: para mar e avante

Quiçá haja tranquilidade no meio das águas
Que desse encontro de paz e mar, de onde emergiu Oxum Pandá
Possa não me ressurgir, mas me ser, um pouco mais que seja
Entre Oxalá e Yemanjá
Algum dia desses, aporto por aqui de novo.
Da atenção
É um mundo distraído, que sempre se diz traído: a atenção nunca lhe é dada. Há carência e dispersão. Talvez nunca tenha havido um mundo tão abertamente emocional, entregue. Peito aberto é quase peito ao mundo. Talvez porque até bem pouco tempo atrás, isso de sentimento, emoção, o que toca essas glândulas lacrimosas, não fosse um problema. Hoje, há medicinas muitas para. Mas é isso que se me afigura agora: carência e dispersão.
Parece que ninguém se importa. Talvez, pela quantidade de portas de que dispomos para abrir o que nos falta e o que adentra quando escancaradas, são apenas protocolos de tratamento. Deve ser isso o que sempre houve antes, mas a nossa sede é pelo imponderável alento certeiro, imediato e loquaz.
E nos falta tudo praticamente, pois que tudo se insere, hoje, no âmbito prático. Utilitarismo desenfreado. Onde mesmo amar nos serve e beneficia – deixa a pele melhor e nos livra dos hormônios da loucura, dizem especialistas. Cada gostar, vira curtir, na matemática do comércio de afetividades, no âmbito da mais-valia emocional. E, ainda assim, tudo nos falta. Procuramos sempre um tudo para nos preencher ultimamente, mesmo o inútil, que tem ganhado cada vez mais razão de ser.
Mas essa economia de preenchimentos só faz sentido num espaço mediado de auto-validação dos processos de busca por preencher as faltas; é necessário um ambiente em que cada ponto desse sistema se reconheça e valide os procedimentos de preenchimentos ali empreendidos, até que disso, uma paz caia sobre as têmporas e a falta se invisibilize, até a próxima, daqui a meia hora.
Se você não está nesses ambientes, conforte-se em lidar com a falta no modo tradicional, ou seja, no bruto. E qual a melhor forma para tratar a falta quando fora de linha? Não problematizando-a, no máximo tematizando-a, e sem somatizações. Deixando-a ser isso que ela sempre foi: a incompletude humana que nos é a marca de sermos humanas e humanos. Somos esse projeto incompleto. Uma coisa que será. Eternamente. E isso é o nosso ser. Tudo nos falta e nada não nos basta. Ânsia em latência. Mas tudo não é uma possibilidade. Sequer existe para nós. É, também, um projeto. Tudo é um devir.
O distanciamento que há entre nós, nos ajuda nessa ânsia plena: sempre parece que houve um momento idílico, talvez já vivido por nós, talvez vivido por gerações passadas, certo que no futuro, em que a distância não há. Laço comunal e familiar, sempre talvez. O certo é que a falta nos demove em redes e não facilitamos os processos para ninguém, é tudo sempre complexo e absurdo. Cada vez mais. Sequer aventamos a possibilidade da simplicidade. São tantas portas, tantas aberturas, cada vez mais como fissuras, que a única forma de preencher o que falta, parece ser faltar mais. Distraidamente.
Há atenção muita, em todos os recantos dos ambientes de comercialização de afetividades, mas nunca atenção plena. É sempre uma tensão dispersa, travestida de atenção cuidadosa. E cada vez mais me apercebo que o problema – para mim – não é que ninguém dê atenção, é a minha própria desatenção, que começa em mim e vai de mim para a outra e para o outro.
Observar a minha falta e as minhas faltas, atentamente. Essa é a minha missão para esses dias.
3671.
quando a gente se lembra de respirar
às vezes vem que num sufoco
é tanta imensidão de ar
que só um peito resta pouco
e ele se deixa alongar
pelo reboco do corpo
é quando a pele ajuda a terminar
o que no peito se fez em esboço.
3670. domínio do fato
eu não autorizei nada em meu nome
você que amou os rastros
despejou querer por aí esparramado
dando atenção em troca de lealdade apaixonada
eu não disse forma cor textura
nem percebi que coisa assim havia
sequer ponderei que era disso que o mundo precisava
subentendido você executou os amores
bem colorido
e caiu em desgraçada sucumbido
flagrado com êxtases nas cuecas
levando junto uma tropa de apaixonados
todos destruídos
e eu não autorizei nada em meu nome
mas seguiram as evidências por você deixadas
e deram comigo sendo
minha pena
:
vinte e cinco anos de coração esvaziado
e mais três
em regime semiaberto
eu não era réu primário.
3669.
o verde não existe
mas árvores
e a imitação das folhas.
3668. crediário (casa baiana)
ele não me olha mais nos olhos
desvia capoeira
fala daquilo de tudo de tanto
menos de nós
dos nós
do peito
da garganta
faz roda e arrodeia
ele passa incólume e atento
aos tempos
a tempos
rijo que nem pau de biriba
oco que nem cabaço de berimbau
malemolente
fica tudo lento daí então
maresia pousando no sertão
evaporada de um tanto
me largo na rede e balanço
sem pressa
enquanto tudo se apressa nos dentros
e aperta
e espero
ele vem num toque de são bento pequeno
e me passa uma rasteira
na dianteira do tempo
no adiantado do atraso
tudo acabado
mas a gente faz um novo crediário
longo longo prazo
a juros no correr monetário
da vida e do juízo
uma hora amor volta
atenção vem
a tensão vai
e ele fica
meu crer diário.
3667.
num mundo líquido
dados vazam
vazios
próxima fatura liquidada.
3666. pegadinha
caiu feio feito pato federado
made in china
mas era só um plágio
apanágio do conto do vigário
.
no final, o sílvio perguntava:
por cinquenta reais,
qual era a cor da camiseta do montanha?
3665. des-curso
brado alto, altiva a voz
certo o alvo, altaneiros nós
do púlpito azul, limpo a minha tela
para que dela saia a sentença mais bela
(antes bela do que certa)
:
morte àquela, àquele, àquilo
morte às massas, aos quilos
morte à morte, morte ao vivo
morte morte morte será a máxima sorte para o bandido
morte a você, morte ao meu filho
(se assim ele for na conduta do desvio)
morte a mim, se for preciso
para salvar essa pátria em perigo
…
assim tuitou o menino
que curtiu do pai
que compartilhou do avô
o que enviou o primo
pelo grupo ensandecido
“Qui foi triste aquela função lá na cabicêra
Qui dassanta, a burrega marrã
Foi incontrada num canto do terrêro
Junto c’uns violêro mortos naquela manhã.”
3664. infinito
é uma espiral de energia
cada qual completa a graça
nas correntes da desgraça
sem perdão
só pala
milimetricamente memética
a zoeira nunca acaba.
3663. ausente
a memória dilui-se em caracteres e pixels
oralidade tortuosa das mãos
tudo armazenado no silício
e todo o lítio sugado das têmporas
a energizar os artefatos da memória
e as artes da inteligência
artifícios sem fogo
explosões controladas sem céu
ânima fora de área
trêmulos corpos em ânsia:
amanhã, tudo se acalma
amanhã.
3662.
Em tudo há fins
– desde sempre –
onde os meios são todos:
cartas muros papiros suspiros
corpo relva mar
– e não os justificam
os compõem
são tecitura.
A chave de um verso
– feito em prosa
olho no olho
afago de hálito quente
trêmulas mãos que se vestem
umas nas outras –
é o fim
– silêncio que transporta
transpiração da pele
transposição de sensações
transformação do desejo
em sentidos –
quando vira poesia
com outro.
3661. excelso
infiltrar-se
plasma entre nuvens
alumiando de um tudo
os dentes do céu
desde lá espocar
mil pós de estrelas
serenando boca sedenta
de braseiro e fogarel
estremecer cometas
fervor no encontro de formas.
3660.
da pedra ainda saltam as águas
que abismam o lusco-fusco, anunciação
do caminho visto, vasto, até a vertente do amanhã
esse entalho de luz no nascimento da noite e das nuvens
é o atalho que um canto faz pra sussurrar
o rasgo da terra por raízes feito
brotos que saltam para o alimento do voo
para o corpo ao vento envolvido
sementes, esperanças, saciam o avesso da falta
e um baobá se lança a todos os cantos
da feitura do tempo, arvorando-se ao vértice do espaço
pois que nele se sabe o início e o fim
feito o ir das estrelas para a vida, simples
unindo todas as dimensões.
3659. O caso
Lilás, laranja, chumbo
Acende o gigante, poente
Contorna cor ao fundo
3658. rede
a casa agora está vazia
debaixo do que pode definir
o contorno da existência
pele
tanto
esse invólucro vagueia
perambula
peregrina
pelos ermos da casa
para
há uma janela aberta
e o mundo para espreitar
imã ela
pulsa uma luz fria desde a janela
constante
tocá-la choca
e a redoma de pele pega
é um impulso elétrico
magnético
o magma das eras que a forma
a redoma
se apega à janela
passa olhos dedos pele
salta
adentra
e o mundo inteiro faz companhia
como se
e a casa agora continua vazia.
3657.
e se eu estranhasse essas paredes?
o largo corredor
o quadro celeste em forma de trapézio do quintal
as três marias sempre ali
essa areia de praia solta no céu
que doura a mortalha azul profundo
e se eu estranhasse você?
essa que me apresenta outra e a mesma
numa metade da maciez dos tecidos
no travesseiro companheiro
você mesma que renasce
sem cabelos
e se você renascer alhueres?
e se eu estranhar as gatas, o cachorro?
e não conseguir levar a mão
aos pelos sedentos de carinho
e se eu estranhar o menino?
e se eu estranhar as plantas?
a espada-de-ogum, a samambaia
a jiboia, a dama-da-noite
a arruda, o manjericão, o gerânio
as bromélias, o boldo e a sem-nome
essas que eu plantei, reguei e conversei
e se eu me estranhar numa manhã de quarta-feira?
olho no olho no olho do olho que me vê
mirando nauseado a calça que não me é
a camisa que não me cabe
o trabalho que não me alcança
o sapato que não me entende
as pernas que me arrancam de mim
os óculos
o cabelo
a barba
a vida
e se eu estranhá-la?
me dá a mão, me abraça?
3656.
como o topo dos cambuís
vão no vento dos céus
e o xixi-de-macaco caindo
até ruivo o barro ficar
como o jambolão derrubado
jabuticabando as ruas
e o algodão leve das painas
a tecer a terra em branca vez
como escorregadias as frutas
das saboneteiras a espatifar
e sementes pisadas crocantes
redondas do jacarandá do cerrado
como essas árvores
sempre no mesmo lugar
atravessa os absurdos
fincada
arbusto
até arvorar.
3655.
do clã do universo
minha tradição
remonta às células iniciais
e de todos os troncos
eu vim
remoto
o mistério que me compõe
todo átomo como lenda
da oralidade da luz
à flor-de-lis
paredes, papiros e papeis
cada ponto do meu corpo
grafite helicoidal
geração a geração
esse fluxo de energia
que paira e explode
plasma e pessoas
do som mais primordial
eu ecoo aquela faísca
fagulha
lírio reverberado
o que houve
que há
haverá
um instante
minha genealogia é do espaço
minha herança é o tempo
segredo encravado no crivo
mais fundo da minha cabeça.
3654. igrejeteria gourmet
dai-me deus
com sal negro
do himalaia
e casquinha
de aipo
e seu filho
em corpo presente
entre pão italiano
e espuma de salmão
champagne
não multiplicada
exclusiva e santa
para meu espírito
guardanapos de seda
com versículos
num food-boat.
3653. recriação de mar
quando me foi dada a missão
depois de tudo volvido ao ventre mãe
quando me inteiraram da função
que o malogro do distanciamento vagou
tinha por certo de novo separar
o que dentro da esfera girava misturado
só ventre e poeira
mãe já não havia também
só secura
era pó e quentura
pingo de estrela crua
e eu não tinha mais cabeça
ninguém quis
tinha pé e mão e tronco
e fui fazer então ela
que mar de novo tinha de vir
e tinha de ser feminina
separei cada pedaço de água que tinha
e salguei com sangue do peito
que é o mais salgado
era toda água muito miúda
e sem cabeça ficava mais difícil de separar
fui pelo tato
que água a gente sente jorrada
pelo toco dos dedos
o pó todo eu soprei e voltou estrela
a água eu amaciei doçura
ternamente e envolvi ela mesma
gota a gota
com sal de sangue de peito vivo
fiz redoma de água salgada
e veios de água doce atravessando
gota única dentro do céu
girando o sol
recompus só a mar
e me desmembrei larvas dentro dela
cada pedaço uma família de peixes
irmãs e filhas e mães
sem barro.
3652. cem quilômetros de solidão
a liberdade é das manhãs
e em cada alvorecer
um deus te nasce
entre os dentes
e morre
os raios enramam
feito jiboia trepando
e o peito desaperreia
ipês dentro
quando flores despencam
face afora
dura pouco
mas são léguas
cada dia
a brevidade das manhãs
põe séculos na pele
só nessas manhãs
você sabe a medida
da sua extensão
quantas eras
só.
3651.
um mundo feito de ausências
tijolos transparentes
emparedam
sem forma definida
um móvel que estava ali
uma janela aberta pro nada
um abismo no chão
e no teto
céu de tudo estar
há ausência
e pelo menos céu
um vento silencioso
mente.
3650. barravento
algo vai baixar
o toque aumenta
pressão nas têmporas
e esmaecimento
a mão gelada
uma tremedeira
na coral enrolada
pela espinha
um apagamento
branco escuro
não é santo
.
é o fim
3649. congelado para microondas
em nome de algo que não sei
fui perdendo o paladar da vida
e tudo foi ficando insosso
sem gosto, de nem não gostar
de engolir à seco
descer atravessado e entalar
dois minutos em potência alta
plástico requentado sem qualquer requinte
banquete de isopor
essa vida.
3648.
não sou do feitio de verdades
mas de vontades e vislumbres
essas vozes que viralizam não me vivem
só me vazam daqui
não sou feito de vitrais
mas de veias – abertas
ventania de vida
no veneno
não sou da feita de vitórias
mas de revoluções e vias
múltiplas, vórtex
nesse vácuo de visão
pausa: um dia ainda vão findar
No momento em que a manifestação política vira caçada moral contra tudo e contra todxs, a gente tem que ter um prumo muito certo. E eu sei de que lado estou. Do lado da Casa Grande, nunca!
3647.
eu preciso de mim
interim, interim
sem ínterim
ou fim
mas eu, em sim
em si assim
em mim
3646. sol a pino
entendi
só quando sol
eu som
e sorriso
3645. rastros de chuva IV
ele não sabe mais nada sobre mim
tampouco pergunta
não sabe que todos os dias eu choro
e reflito acerca da inexistência
não sabe que nada disso se trata
do desespero do suicídio
ou do afã de um fim de amor
não compreende que cá dentro
existem celas, que me aprisionam
cada ânsia um cárcere
grades e mais grades que antecipam
o real da vida e comprimem
não o peito, mas me comprimem dentro
dele, do peito
ele não me olha mais nos olhos
por medo da verdade
eu me encolho e nem tenho mais olhos
tenho correntes, paredes
me prendendo e espremendo
é tanto entranhamento que gera
um próprio estranhamento
não me reconheço
mas ele ronda tão próximo
e tão longe, tem pés de seda
mãos de afeto, que não tocam nada
ninguém
ele sabe do que há de vir
mas não me conta
fico aqui, em coma
dentro dentro
meu próprio carcereiro
ele, o discernimento
3644. rastros de chuva III
meu sem jeito é tanto
que meu sujeito em espanto
se sujeita ao canto
3643. rastros de chuva II
não tem química
nos olhos
mas tímida uma face
que não fala logo dos destroços
