3201. dê um rolê, só não vá se perder por aí

os rolês que se dão
pelo bem do consumo
        esse sim o senhor, deus inatingível

        objeto de política pública
        prêmio próspero por uma vida permeada por aquele outro deus,
                com d maiúsculo e pompa de pop-star milenar, temível e bondoso
                        a seus livres cativos
        travador das novas lutas de classe
        dos cem mil sentidos do direito à cidade

os rolês que se dão, flash mobs que são
fluxos hedonistas épicos
        sente a pegada
        saca o modelo
        a potência, a pegada
        registra no face
        olha o estilo
        beijo no ombro pras invejosa

os muros caem em prol das bolsas
        família, louis vuitton, pirata e cassino global
os rolês que se dão ressemantizados pelos arautos do estado de bem estado social
                estado de bem estar de consumo
                estado de bens, direitos e deveres dos outros
                estados de livres mercados

saca a fita de mil grau:
o futuro próximo de amanhã de manhã
                já é a moda do parco
                        pouco
                consumo distintivo de sua melhor classe social
a moda salvará o planeta de seu alto auto consumo
e o livre mercado salvará o planeta dele mesmo
        seres de luz, brancos, iguais e budistas cristãos
                heterossexualmente reproduzindo o mundo perfeito da palavra
                        e das coisas postas nas prateleiras da internet

serão vários os sabores
vários os rolês
todas as cores, tamanhos e modelos
promoção com cartão fidelidade
        prazer parcelado em dez vezes sem juro no cartão

entenda os rolês
interprete-os
teorize-os em teses acadêmicas
politize-os
indigne-se com eles
exija pena de mortes para os rolês
                o rolê já te consumiu desde o primeiro banco na terra
                        e você nem viu

3200. precedência de sentir

uma sensação,
pressentimento,
possui razão
ou só ruído
roendo por dentro
do que vindouro
lá no futuro
não acha contento?

antecipação de
algo próximo
visagem desguarnecida
anunciação do que
já é código
ou mera piração
aflitiva?

presságio descabido
ou certeza carcomida
o pressentimento sempre ronda
presenteando o que se duvida

inteligência emocional
ajudaria?
ou babá, terreiro e aquela
macumba preterida?

pressentimento é coisa
que acontece sem se ver
vem num vindo
vem num vindo
e quando viu levou você

coisa de espírito
mediunidade
sagacidade
não se explica
só tome cuidado
que o pressentimento
que é pré e não pós
ainda te complica

3199. seria assimetria?

moça bonita ela
dentro de toda
sua bela aquarela
de feiura rota

quem há de isso achar
e lha acompanhar
para além do chá
amar e trepar?

o tarado ou o torto?
o sacana ou o santo?
o torpe ou o louco?
o bacana ou o encanto?
o brega ou o forte?
o lerdo ou o desgosto?
o sádico ou o sorte?

moça bonita ela
dentro da solidão que a eleva
e da feiura que a conserva
a transeunte imagética
feia bela
que inimaginável
imagina-se que vida deve ser a dela

3198. Pelas manhãs, num quarto na 18

Eu nem sabia de quê eram feitos os grãos de poeira
Aqueles que criavam padrões ciliares no líquido dos olhos
quando acordávamos aos finais de semana

Primeiro eram eles, cheios de resquícios de cometas
de meteoros e planetas
Tudo ali entre o espaço aberto das pálpebras e o teto do quarto
mas pregado nos olhos

Minha irmã acordada já também,
me conduzia a incursões mais psicodélicas:
ao largo de todo o semi-escuro do quarto
com aquelas longas cortinas de flores parecendo macacos,
mostrava-me as bolinhas
aquele mar de bolinhas flutuantes
despencando vagarosamente diante de nossos rostos

Cores múltiplas se formavam na velocidade de uma manhã de sábado
naquele tempo em que o tempo era algo com corpo, densidade e aroma
naqueles dias em que o estar dentro do tempo
se confundia com as eras e os períodos da Terra

Cada conjunto de bolinhas coloridas,
que invadia mesmo até os olhos fechados,
ficava ali despencando horas e mais horas
entremeava um novo sono cheio de sonhos em que eu
salvava alguma colega em meio a um incêndio do colégio,
percolava aquele estado sorumbático de quase acordado

Era assim até que vinha a luz plena de lá de fora
rompendo as frestas das cortinas e dizendo dia e sol

Levantávamos percorridos por bolinhas coloridas
que despencavam vagarosamente diante de nós

Despertávamos aos finais de semana assim,
eu e minha irmã,
com a alma cheia de cores
expandidos pelo sem fim daquele tempo da delicadeza
num onde encrustrado nesse quando eterno que me faz

3197. ai que conflito

especiais e notáveis todos os errantes
que em suas armaduras caseiras
cheios de heróis ébanos
e frases libertárias
embebidas em notas, orações
e um descaso blasé pelas cifras
estarão sempre prontos
para a próxima estocada
na sua mesmice fantasmagórica
e instaurarem o caos

desejados mesmo todos os anjos decaídos
que certamente amarão mais, melhor
e com mais intensidade e dor
que qualquer mourisco índio tímido
infantilizado num reino de vitórias-régias prostradas
operando os céus e a lua
em busca da vista do ponto azul

é que sempre há um medo vário
de que o mundo abrase além medida
e do alto da insegurança
sempre acolhe-se ao lado da segurança
como se não usufruir de desejos
fosse a única premissa para a paz
e como se a lua fosse o único querer crível

a paz, essa longínqua,
que dorme um sono inerte e sonha com um mundo
inteiro de jorros de gozo e prazer perpétuo
num batidão frenético de pornô especializado diz:
pela paz, não peque
pela paz, não seja
pela paz, não vá além e queira somente aquém

mas a paz, essa velhaca matrona,
flerta com o imponderável
e no fim sempre se soube disso
ela galanteia com o universo do caos
e deseja o claustro e a castração
a paz é uma danada

ama-se a paz e se a almeja
mas ela, escorregadia qual ouroboros,
lança seus ansiantes àquela eterna repetição
de ser um tanto menor do que se aparenta
como se a mediocridade fosse a única ostentação plausível
a paz é uma dissimulada
todo o benfazejo a si e o mal apenas à guerra

disto e desta,
viva a paz
ambicione a paz
e tensione-se ad aeternum no conflito interno
com suas próprias entranhas
tão desejantes e aguerridas
tão silenciadas e pacificadas

3195. equador do futuro

antes que as destopias
entupam nossas vias
com um livre mercado
de gorduras trans

antes que os estados
comprimam todo nosso
estado de espírito
em um extrato social

antes que antidepressivos
sejam o modo permissivo
de convívio em sociedade

antes que os ansiolíticos
calem todo anseio
e domem todo o desejo

antes que o mal dos outros
seja todo o mal do mundo
e tudo seu não seja mau

antes que nos transformemos
em panópticos de nós mesmos

antes, daria tempo
mas eis esse agora
durante
duro
que dura
sem candura
que surra
que só urra

3194. presságio

será intenso como o findo
será rápido e mordaz
será tudo ao mesmo tempo
será tempo e tudo, feito a matéria da luz
será guerra e ademais
será mais
sempre mais
será quente e frio, tanto faz
será blasé
será excesso de amor, de torpor, de humor, de pavor, de terror
será ironia
será cena, cera, será
será qual todos, só não será igual
será normal, nada excepcional
será quarta-feira, depois quinta e depois sexta, no sábado se descansa
será tal e qual
será o que será que será
será duvida, passagem, continuação
será o sempre
será desejo e consumo
será propaganda
será carnaval, futebol e política e nessa sequência
será pão vencido e rock’n’roll circus
será big-brother
será panóptico e vigilância
será hedonismo e cristo
será tudo o que for possível ser vendido
será corrente de oração
será sertanejo, suor e cerveja, universitários
será novela, passarela, hiper-passado, ultra-futuro, sci-fi
será bonde
será ostentação
será o meridiano longínquo, a antípoda de sempre
será perdido e puro ganhos
será lucros e quebras
será expectativa de derrotas e maquiagem de benefícios
será um suplício
será ainda o que serei eu, sorrateiro, sambando miúdo entre os cem sem sentidos que serão
será essa minha decisão

3193. a partir de cartas (a parte de ir das cartas) ou do apartheid às partes aprisionadas

a consciência crítica de todos nós
senta-se em uma prisão
bombardeada por conclusões milenares
perdida entre cartazes e comentários
travada entre os nós dos rizomas
derretendo e engrossando o caldo
de um capitalismo líquido
que percola cada meandro ainda virgem
que se infiltra nos terrenos mais compactos

essa consciência crítica nossa
tenta encontrar a dádiva de alguma economia
perdida em ilhas do pacífico
trocada por ouro e prata através dos séculos
de suores e sangues africanos, asiáticos, americanos

a consciência de todos nós, a crítica
vira acrítica, cega e cítrica
e transforma em heróis qualquer um com a capa do batman
e uma pena mágica que interpreta todas as leis

a nossa crítica consciência
atormentada e esquizofrênica
sabe onde reside o verdadeiro heroísmo
aquele da autocostura microscópica do tecido social
e da revanche à alta costura estampada no jornal

a tal consciência nossa e crítica
valoriza os limites estritos e o desafio
e incomensuravelmente vive essa causa
comum pela qual vale a pena lutar
a duras penas
apesar de injustas penas
após o ar do voo devido as penas
ainda apostar no pouco que dê apenas

3192. anarco-íris

“Vai trabalhar, vagabundo
Vai trabalhar, criatura…”

era em tons de cinza que ele se erguia
na abóbada celeste
pois o sol estava uma tempestade só
em labaredas magnéticas
e a água que se condensava
vinha pacificamente de fukushima

todos torravam
mas aquecimento não havia
se havia era natural
e naturalmente o calor se suporta
um colar de suor em volta do pescoço
suor leitoso brilhando mcsódio e gordura trans

mas lá estava ele
o anarco-íris imponente
de fato, quase transparente
trans – não lgbt, infelizmente –
transgênico e frankensteinico
símbolo da aliança de deus com os homens
– só com os homens –
de que nunca mais a terra se afogará em dilúvio
ainda que implacavelmente
ela despenque em terremotos
exploda em vulcões
se alague em tempestades
se arrase em furacões
e que no fim, justiça e imparcialidade,
ardam eternamente em fumarolas de enxofre
rolando em espetos com satanás os fritando
todos os humanos impuros

era um belo anarco-íris gris
cortando o céu de fora a fora
sem pote, ouro, ou duende no final

alguns diriam que era a aliança do demônio com os impuros
enquanto isso deus repousava sobre toda a criação
e descansava no sétimo dia

3191. Ìjìnnà

cada vez mais distante
gritante
diz tanto
diz tente
displicente
suplicante
gritante
insuficiente
 
cada vez mais distante
gritante
ecoante
constante
antes, avante
ecoante
eco
eco
oco
soco
reverberante
 
cada
 
 
vez

  
 
 
mais

  
 
 
 
distante: diz, tenta, tanto, quanto, baste, pra ser, insuficiente, desde, sempre.

3190.

Não é uma tristeza
são três, tesas.
Tensionam
o que homem do que não.
Como fio de alta tensão:
500 volts em volta
do coração.
Que nem revolta,
pranto e oração.
Como tristeza, tristeza,
só que não.
Soco no coração.
Triste essa reza seca,
choque no músculo do peito
em contração.

3180. Esfera

Entre o lá e o cá
Que não é nem lá, nem cá
Nem meio, nem centro
Que não leva nem traz
Nem pra frente ou pra trás
É esfera que junta tudo
O que agora ao que mais
Confunde a cabeça
Porque rola
Qual biloca de criança
Com um quê maroto de desdém
Mas é ela que une tudo
Pelo tanto e pelo além
Primeiro sempre a ela
Que quando rola no espaço
Parece que vai
Mas quando dentro dela
Se sabe que vem
Meio Terra, meio Lua
Meio mal, toda bem
Toda ao largo, toda lar

Oiê minha esfera rolante,
ébria e zen

3178. Bloqueios negros

bloqueios negros
pela orla
parece febre
40° sentidos e centígrados
centrífugos, pois a rede é descentralizada
areia quente
areia ferve
arreia e ferra e fere
arrobas e balas de borracha
e hashtags embebidos
em hashs binários e hashs racha-cucas canábicos
aproveita e liberta alguns cachorros

cativos

bloqueios negros
pela avenida
piratas imberbes
protagonizam o caos para as teletelas
por mesmo elas
pirataria e pirotecnia
matéria para comentários póstumos
da matilha de lobões em meio a carvalhos
gentílicos, gentis
gente anticomunista
e pró-consumista
consumada na nóia
e sem pedra
só pala
e algum pó
antipetista

a rede é uma imensa teia
toda hora te emaranha
tapa-se o sol com a rede
trança-se uma tanga com a rede
embala-se o sono dos injustos na rede
arrega-se da vida pela rede
arregimenta-se cacos políticos de dentro da rede

com o próprio nome

arrebatados, os prometidos da nave cristã
jesus de toca
tocando o coração das biqueiras
e zil zilhões com armas em riste enfrentando os sem lados do leviatã
nem de direita, nem de esquerda, nem de centro, nem de dentro
de fora e para fora
como um ego reflexo

meu bloqueio negro
monta campana e não dorme
não deixa que a matilha me arregue
“século XXI eu sei muito bem o que eu quero”
a rede te enreda
e se pá te escanteia
pra rebarba do canto do fim da feira
de dentro da teia
eu rezo a rede
e a oração é maldita

bendito seja meu bloqueio negro

3177. segredo

a hora exata em que
a imprecisão do céu
virou terra

[e quando diante do infinito,
que todas as hipóteses
são verdadeiras?]

o mundo sempre sangrou
essa coisa de morte e beleza

TODA dor lhe cabe
TODO adoecer
TUDO esmorecer
todo suor que invade

o que a vida deseja
silenciosa e sorrateira
é um bosque ávido

3176. luta de olhares e de classes

o ar de empáfia
a louridez, a branquidão
o corte preciso do tecido
e o reluzente dourado
maior que o braço

a minha timidez cabocla
de não olhar nos olhos
e de não saber onde por as mãos
aquele acompanhamento eterno
periférico
de sempre se sentir suspeito
mesmo da hipótese
sequer aventada no
filme instado sempre na cabeça

de longe é uma despreocupação eterna
de cá a tensão sempre anima
o momento mais ideia na fogueira do beco

o olhar desde lá
arrebatador
compulsivo
entre o que me faz
vem rasgando voraz
um olho em mim
outro no aplicativo

quando desafio minha matutês revigorada
de quebrada
recrudescida por meu “devido lugar”
e meu olhar acompanha o de lá de longe
eis que enfim se esbarram e esparram
antropológicas e antropofágicas,
medo e mágica,
as mil classes médias várias

3175. borboletas suicidas

borboletas suicidas ao longo da BR
vidas amarelas borrando o vidro
minha pedra pulsante dentro do peito
pedaço do morro seco
percalço da borboleta
a 130 por hora para Oz

um sobressalto no ser
espasmo de vida deixando ser

outra borboleta insiste:
o barato não é a morte
é o frio
o sobressalto
de desafiá-la

os 140 por hora de minha pedra
impulsionam a borboleta para
um infinito de ser instante

as borboletas suicidas
só querem mais que os seus sentidos

3173. Homo genius

as modas
os modos
[os gestos]
os gostos
os gastos
centro ao norte
desde o litoral
só uma geral
de rio-são paulo
só um pulo
ocidentalizado

os medos
as médias
[as nóias]
os meios
as metas
desde o sertão
ao igarapé
paisagens monótonas
o milho, o sorgo,
o gado, a soja
tudo igual
pra todo lado
além mar
onda no ar
globalizado

3172. Do longe, de água, de ar, de arder

Talvez você não durma
talvez eu também não
isso aqui pode ser um sonho matutino
ou apenas uma insônia saudosa

Talvez o desejo arda
talvez em tudo haja
talvez feito de rios e seivas
a curva d’água doce na vontade
o caule rasgando bruto a terra
tocando a rocha na velocidade
do deslizar do remo n’água desavisado

Vago até sua possibilidade de sono avesso
e lhe adentro desejo
com força de rio
erodindo encostas
caule rompendo o ar

3171. Das artes da calmaria

ninguém mais tem
paciência para o que
acalma e apazígua coletivo,
alguém não

tudo o que toca
se desfaz ao toque
ou contato com qualquer
corrói-se antes mesmo

o que adentra e apascenta
pasta a paz pelo todo
passa longe hoje, agora
pois que se deve pulsar

parte pois não se pode
partilhar nem a
perto nem alhures
ajeita-se só em si

o que acalma contém-se
no contido do mais eu
não se abre para além
se governa dentro, vibra

irreflete, verbo
inexistente é o que tenta
quando a paz é com
parte ilhada em par

3169. Star treks de junho

No começo era
de cara limpa,
como fosse
caso precisasse
Depois poucos pelos,
barba basta,
cara à mostra
Logo algum fetiche
umas pintas
tantos riscos
Hoje as máscaras
fantasias, coros
faixas várias
estética quase de massa
na individualidade
do destaque

Quesito alegoria:
“NOTA DEZ”
Comissão de frente:
“NOVE E MEIO!”
Ideologia:
Onde mesmo?
Ideograma:
é a vendeta no peito.

3159. Banzeiro

A barca balançava
um lá pra cá
na contramão do rio
Embarcado estava
um bazo sem riso
No Anaraí perdi a razão
No Anuerá o sentido
No Urubuquara já não estava
mais que um corpo vazio
Na calha do Arari
depois de sua Rainha
o que se assemelhava pálida
era essa existência vazante
num rio que nem lágrimas

3158. Das artes da invisibilidade

as persianas balançavam sem cadência
uma brevidade da rua assolava o recinto
talvez fosse ar isso o que eu sinto
possível feito de vento e insistência

o descompromisso dos vazios de fora
irrompia vazando vendavais aqui dentro
invisível como sempre em meu centro
veio que sinto: calmo tornado adorna

as folhas dançantes em impaciência
tomavam o que me circulava por hora
sem textura, cor, matéria ou ciência

decompunha-me ares e movimentos agora
não me vendo, tendo, sendo insuficiência
insuflava-me ser de vento onde o eu mora