Observo as mesas como aula,
sem qualquer classe:
aprender a conversar
descobrir esse fio
que subtrai
a solidão eferente
estabelecer um tipo
de ponte aferente
e dividir o que dentro
se multiplica,
para somar qualquer coisa.
Meu nome é Guilherme, poeta , professor de geografia da Secretaria de Educação-DF e mestre em geografia (UnB). Tive AVC em maio de 2020 (isquêmico) não consigo falar ainda. Tenho apraxia e afasia. Apraxia é um distúrbio neurológico motor da fala, resultante de um deficit na consistência e precisão dos movimentos necessários à fala. Afasia é uma alteração na linguagem causada por lesão neurológica.
Observo as mesas como aula,
sem qualquer classe:
aprender a conversar
descobrir esse fio
que subtrai
a solidão eferente
estabelecer um tipo
de ponte aferente
e dividir o que dentro
se multiplica,
para somar qualquer coisa.
Deglutir e mascar
o que te condensa
e depois o que te condena,
o que te coordena
e comanda.
Uma após a outra
parte que te encontra
e entranha.
Eu me perdi de tudo
e o vislumbre que
aproxima é o amargor
de uma paisagem sem
palavras complementares.
As fantasias que colecionam
são diálogos imaginários
e pedaços de esperanças,
farpas travestidas de dedos
e desespero em verso e versa.
ME matem num descampado
e coloquem um boneco
para me substituir
e soquem sua cara todo dia
e se lembrem de mim
a cada soco
e me enterrem em areia
e coloquem faias em minha
cobertura
e defequem por cima,
ao terceiro dia
ressuscitarei no corpo
do boneco sem carma
e farei desafios como
os da baleia azul
para jovens de trinta anos.
Há que se deixar a dor
e o odor falar, flanar, estampar
a cara e a carne.
Ondas de valor débil
e aspecto hostil
a qualquer cidadão de bem.
A sobrancelha tensa,
a testa franzida
e a fronde como um bife
batido a marreta.
Regurgitar, como gado.
Ser a ovelha, o novilho
e o cordeiro para o abate
e o arremate no leilão,
arrebatados os corações destituídos
da lição menos efêmera de todas:
a vida é um desabrigo.
o pai dos que tem fé
empunha sua arma
e grita o deserto
que o formou
em seu grito:
amor é suplício
aparelhos ativados
sensores ativos
monitores ligados
câmeras focadas
microfones capturando em três, dois, um
palavras ditas na penumbra
ganham luz sob o verde e o azul
armados verbos das palavras
douradas no amarelo
te dizem no espelho:
teu segredo é falso
tua imagem é falsa
tua mente apagou, sem backup
modulações eletroestáticas
mágica pura e telepatia
todo patuá banhado de metais nobres
em oferta, sem oferendas
primeiro foi a liberdade do amor
cortei-a na base do machado
depois vieram os orgânicos
e se achegou a yoga e o crossfit
agora abandono a barba e o cigarro
com o beiço em bico
amanhã deixarei a bebida
e virá kant, meu pet cão ético
e christ-cat, meu pet kant felino
e o fim etílico
daí meu corpo destilado
pronto para estar ao lado
da direita e de deus pai
atento e forte
para a segunda
vinda
da militarização evangélica
sentido!
não pelo a, mas pelo te
mor,
te
antes que eu te ame
eu te digo que não te amo
porque te amo
quando minha mulher me adentra o meu profundo espesso conexo espelho do além medo e correspondência dos céus cá, meu amor é por mim, meu desejo eu mesmo.
força e leveza como
a soma e resultado
da equação em elevação de paz
mas na raiz
todo amor guerreia
li nas pedras da ruela
em letras pretas
que escorriam pequenos
fios de sangue
“o mundo é das pessoas que sonham”
e todo pesadelo é sonho
e todo algoz dorme
e todo sonho acordado
vive
Te amo,
como as nuvens ao encontro do lamaçal;
como o pântano esbarrando em beijo o arco-íris vindouro após o temporal;
como a chuva irradiante de clarões solitários dentro do estrondoso encontro das paragens solares que esfacelam o lodo, o limo, o lume, o brejo e o adentram em ondas fluidas de espessura e cor;
como o movediço manancial de plantas derretendo ao ácido dos alagadiços pegajosos de visgos de terra e barro e matos feitos betume incorpóreo e denso diante do céu límpido e azul de aprofundar-se nos vastos retalhos fractais que engendram engrenagens invisíveis até a escuridão do profundo sideral que é teia e movimento e espelho daqui e de além.
Te amo,
e é livre.
Para que esse estertor torto todo?
O controle te controla: trave!
Tolde e molde e tolha.
Aceite essa trolha
que tudo te prende
te ata.
Carvalho, o carnaval
é só orvalho, o aval da carne
para os nódulos das grades cinzas,
caralho!
Um cala boca loka
no grito efusivo e explosivo
da turba turva confusa.
Não há desbunde,
só controle
só consolo
como troll, freak control,
fucking trolha.
Abaixe a guarda, Carvalho,
não existe voz interna,
só o aglomerado urrante
das expectativas outras
marchando na sua cabeca,
mexendo nas suas têmporas:
sentido!
recuperar o ar e o arrepio na cabeça
entre o anseio pelas granadas e a degola das cabeças
meditar cada dia cinco minutos a mais adentrando o céu
transmutar a dor dessa terra pelo céu que nos é imposto
admirar o barco zarpando pela pele até tocar as folhas das árvores
rebocar as paredes com sangue e cimento cozidos durante os périplos dos vagabundos
arrebentar-se nos corais das bocas em palavras multicoloridas de peixes e paus
significar os estratos das camadas de gente empilhada e as hordas de terroristas puros
de perto tudo se ocasiona nos ocasos do oriente que arrebenta e cinde as camadas dos hemisférios místicos
é tudo uma constatação abaulada e desidratada que busca as nuvens
nenhuma utopia ainda
heterotopias de heroicos héteros habilis rasgam minha face
e as granadas e as cabeças rolando
e o arrepio na pele à primeira hora da manhã
ainda há de ser um encontro possível
para a vida
como permitir-se pássaros pela cabeça
diante de uma serena explosão
sob meus poros
luz calor e pressão
diamante bruto brota
Sem cascos nos olhos
o branco do lado escuro da Lua
desentranha o arranha-céu
pulverizado em pétalas de cravos
e o galope da vista dilata as premissas
de enxofre e metano
que se sentem com as costas das mãos
e com o dentro do trabalho de outrora
o sangue cerca o eclipse solar em marte
halo de labor afetando os vales
e meu amor se estaciona num avarandado
de 1935
cá nas brenhas dos trópicos
dum intento de arrancar corações
e costas dos pombos negros das mesas redondas
de gravatas borboletas e helicópteros
que capturam a aurora da vida
Mas se em cascos d’olhos
em trote e pupilas diante do barlavento
a escuridão do solar lado lunar
e suas flexões de uma fluida chama
que antecede as órbitas dos seres
e desorganiza as águas moventes
descampa as folhas monolíticas
e puxa a seiva da raiz mais magmática
magneto que conclama o ar à vida
e a água à morte
como toda pedra abre-se ao gosto acre da flor
e toda casca silencia-se num grito de humos
numa gargalhada de terra
num silvo de solo
que me livra o amor a ser sertão
quando da chuva betuminosa se preciso
ou se precioso mandacaru de flor lilás
e teiú caxinguelê anil laranja
cuspindo o fogo a chama a brasa
de manter corações
e costas dos caburés vermelhos das rodas
de batas brancas e nuvens
que arregaçam a aurora da morte
500 anos de relacionamento
como essa garrafa
agarrada na praia
grudada pregada
semi pra sempre
presente
sem deixar vida
nas margens
pet por amor
puro
amor
um amor calmo
isolado
margeado
de reality
terças quais domingos
e lá fora vivente o mito
todo amor
reduzido
ao umbigo
o pai do santo
não se importava
com suas crias
qualquer livre
arbítrio
era seu amor
infinito
terceirizada a onipotência
até o fogo do fim
Cá nos pós Equadores tropicais
a trupe-tropel-tropa
troca a liberdade
pelos livros do mercado
a traz no peito o espírito libertário
da pátria amada não idolatrada,
pois para ela não cabem ídolos,
só Deus.
E aspiram à sublimação
igualitária na ânsia
diferencial de que todos
voltem para o aperto de seus armários.
Mar de indivíduos únicos à deriva
é uma massa inerme e armada,
inerte tsunami
– “A ONDA” –
que não transpassará a costa, o litoral,
apenas o submergirá
em grades e frames,
desejosa prisão.
E no final desse poema
não esqueça de dar o seu like
e se inscrever para receber
as atualizações do meu canal.
um mundo de sinais
os dedos de pólvora
cavalo louco sem papas
os mano preto aos bardos
pipoca é dois real
ela loira no palanque
o sol salgando o couro
as paradas repletas
de peles pintadas
querendo a morte
dos pele pintadas
sinais e mais sinais
dos ermos dos tempos
que a terra percorreu
até aqui, os sinais
borboleta fênix
flash no céu
feixe e fogo fátuo
no meio do mato
relampeia
Eu,
enquanto dor
morrerei
conquanto corpo
morrerei
como árvore
morrerei
entanto marca
morrerei
portanto futuro
morrerei
enfim camada
morrerei
todavia liberdade
morrerei
senão movimento
morrerei
porquanto além
morrerei
entretanto pássaro
morrerei
consoante tricerátops
morrerei
tão trôpego
morrerei
embora deus
morrerei
porque macaco
morrerei
eu.
Foram 18 livros lidos em 2018, informações sobre é só perguntar:
1) XY sobre a identidade masculina (Elisabeth Badinter)
2) Habibi (Craig Thompson)
3) Ou o poema contínuo (Herberto Helder)
4) Ao encontro da sombra (Connie Zweig org.)
5) Relato de um náufrago (Gabriel García Márquez)
6) A astrologia no mundo (Peter Marshall)
7) Agonia de Eros (Byung-Chul Han)
8) Outros jeitos de usar a boca (Rupi Kaur)
9) A vida secreta das plantas (Peter Tompkins & Christopher Bird)
10) Awô – O mistério dos orixás (Gisèle Omindarewá Cossard)
11) O túnel (Ernesto Sabato)
12) Normas práticas para interpretação do mapa astral (Stephen Arroyo)
13) O ódio como política (Esther Solano Gallego org.)
14) O que é ideologia (Marilena Chauí)
15) Manual de astrologia (Rene Fleury)
16) O buda do subúrbio (Hanif Kureishi)
17) 1993 (Charles Trocate)
18) O fabuloso quadrinho brasileiro de 2015 (Rafael Coutinho & Clarice Reichstul orgs.)
vivíamos entre as massas
e se olhássemos o horizonte
lá estava a linha
entre o chumbo e o sangue
que produziria o por do sol
mais tóxico que já existiu
honradas as gerações
que viram as chagas e os cancros
e agora ensinam que o horizonte
tem de ser sempre cinza
para se cumprir a palavra
desonraremos todas as histórias
que nos coloquem em fumos
o avanço das auroras
diante do sol
que sempre será vermelho
aproveitamos a brisa quente desses dias
nos encontremos, choremos
suemos o que pudermos
o difuso do horizonte desprovido ainda
é uma imagem embaçada
nos amemos enquanto amor há
como ar
o respiremos por dentro
e piremos
enquanto há
depois de amanhã há de haver
ainda algo
meio não existente
mas tomemos esse gole
sorvemos essa cerveja
nos amemos
amemos
a mais agora
não a menos
a luta há de ser bruta
e nossas foices cegas serão parcas
mas serão foices
alguma força e ceifaremos
todos os campos brutos
amanhã
enquanto hoje
ainda amamos
Quando o discurso
contra a violência é
uma mera apologia à violência
as classes não lutam,
se perpetuam
apenas tela quente
mais furiosos.
a democracia direta
prometida para o século 21
será feita de curtidas em redes sociais
a pólis do dilema
não fica em Saquarema, Piedade, Botafogo
a pólis do dilema
fica num globo todo
sem fôlego
a orientação etílica é uma coisa qualquer coisa
não qualquer bobagem
sair de prédios desconhecidos
é tarefa hercúlea
onde o elevador?
seria escada?
depois de uma carteira de cigarros,
não
após aquele baseado infame,
nunca
uma vez passei três dias tentando sair
de um prédio de águas claras
saí do apartamento
desconhecida claridade do dia
infusão de ressaca e desmembramento
pós coito confuso
onde qualquer coisa?
peguei o contato
que nome seria?
celular descarregado
de qual apartamento eu saí?
uma escada
um elevador
outro
uma saída pra dentro
no segundo dia descobri onde punham o lixo
sobrevivi de restos de pizzas
por jah como comem pizzas em águas claras
vaguei por parquinhos e piscinas
salões de festas e halls
fiz amizade com três pets
billy, zinha e jethro
umas lindezas
dormi num quartinho que até agora não sei para que servia
flanco escroto
no terceiro dia, já sucumbido e desistente
depois de brincar de gangorra com o joãozinho
me atinei com um cara de uniforme,
segui-o
e lá estava ela, a saída
bela e espelhada
mármore bem lisinho
nunca senti saudade desses momentos
só insisto neles
não estou aí
isto é uma ausência
cada posto tira
daqui desde o agora
e transpõe o
que interna
até o que tem alta
e conduz o impulso
armazenado em impulsos
como se estivesse
mas não está
cada palavra é
uma ausência
construindo uma ponte
eferente
entre um instante e
outro
cada lapso é
uma presença
destruindo a autoria
aferente
entre o tido o dito e
o dado
[consumido consumado]

“Se não tens fé, olha para o outono.
As folhas amarelecem e caem, caem,
cobrindo ao mesmo tempo a montanha e o rio.”
era baco exu do blues
repetições de padrões energéticos
de matéria translúcida
navegando pelas eras de brahma
stellium de sol mercúrio júpiter
em escorpião na casa IX
ema no céu de novembro
quetzalcoatl vomitando vênus
guiado por viracocha e oxalufã
cajado rompendo a areia branca
as nuvens de algodão
molhadas de chumbo de água agridoce
da célula matter rainha herdada
da avó materna e sempre mãe
yemonjá que era rio que virou mar
que banhou o ar a evaporar
que virou chuva fina de ayrá
e fogo de brasa pisada de pisar
era a repetição magnética
encarnada em alvo manto
a consciência retomada parte a parte
o momento que retorna e retoma
a forma das formas sheldrakeanas
virtualidade da árvore na semente
frondosas faces de uma gameleira
donde repousa guaraci e marabô
de raízes que rompem o barro
desagregado pelas mãos de shiva
remodelado pela própria manutenção
solo seiva dentro das sendas de vishnu
sete campos abertos espiralados
pelas vias das galáxias
um termo desperto que visualiza
osíris em sua barca pelo leito lácteo
no emaranhado da matéria negra
um termo que dorme o pouso
sereno das plumas avoadas
de uma pomba branca envolto num alá
tapete mágico dos sufis do deserto
um eremita ilumina o sol do sacerdote
a solidão súmula do desafio
da iniciação interna e aderente
prenúncio da libertação luminosa
a respiração recolhida da gruta
chama a terra a viver
há que se caminhar com alguma luz
o antigo caminho do mistério
nesses últimos dias de domingo
falarei dessa massa
definida entre garganta e ventre
redoma dos pesos que saltam
ardidos das costas ao peito
nesses últimos dias de domingo
o sal da terra, de frutas,
fervilhando as imagens
absorvidas pelos dedos,
gástrica emoção não digerida
os solavancos desses últimos
dias de domingo
no refluxo da dilaceração que queima,
amanhecerão segundas e terças
e últimas quartas e sextas
com meios de quintas e brasas
o eterno retorno das semanas
salgará
calmamente o
estanho do projétil:
meu amor
como as farpas
de uma Transilvânia
mítica,
meu amor
como os solilóquios sequiosos
de pássaros nauseabundos,
meu amor
como um ventre
cauterizado por filhos
irrisórios e risíveis,
meu amor
como a lua embaçada
pelo míope clarão
das órbitas,
meu amor
como veneno
sorvido num pic-nic
colorido e colaborativo,
meu amor
como as marcas dos relhos
dos homens
pálidos, rosas e vermelhos,
meu amor
sem nenhum alento
o que se quer?
já se quis?
a liberdade contingenciada
nessa máquina de volição
o livro do arbítrio comprimido
nessa cápsula de vontades
livres
a tradicional família cristã
herança de pai e mãe
e domingos de chacrinha
escorregando pela boca
loka
e a falta de potência
canonizando mais um
guru filho da puta
carcomido
acordei num solavanco
quatro horas se muito de sono
e um sobressalto
suado
havia sido um sonho desses acordados
meio controlado
como visualizar a palma
da mão até o voo desprendido
contudo
não existia mais o resquício
o vestígio
só uma pista:
eu havia dormido
e quando acordei queria
a morte
suada
não sei o que me sabota
se a insônia ou o sopro
raivoso de lá de fora
e ainda tem a possibilidade
do de dentro
meus olhos estão baixos
e tudo me abandonou
como os pássaros diante da noite
repousam o que não dormi
eu quero a morte
como quem se desprende
de todos de todos os pesadelos
somem mais um bom punhado
nessa equação onírica e espiritual:
meu carma não está em coma
é mais como um abscesso
300 gramas esperando
parar para a próxima tentativa.
Fiz trovoar as páginas de notícias
adentrando-lhes as nuvens carregadas.
De pronto
de cada território descolado
soergueu-se um olor de terra
molhada por sangue visceral.
Por dentro do novo milênio
Maiakóvski sampleia
seus estrondos retumbantes.
Estamos tristes,
é certo,
e como nunca por que motivo
poderíamos dançar a ciranda?
O céu do espaço
é diluído chumbo.
As zoeiras
e os relhos
iremos transpassá-los,
dissipá-los aos pedaços,
rasgando-os
como um míssil despedaça
as nuvens.
sereno espero as bombas
no sereno da noite
e o momento em que me
calarão com um clarão
e um estrondo
envoltos em uma bandeira
em coro de torcida
dentro de um barril
de troia de pólvora,
até me subjugarem
com amor me degolarão
a mim e à outra,
outro a eles pois se nasce apenas
minha, nossas cabeças rolando
ladeira abaixo
chutadas como bolas
olhos transitando entre
o céu e a terra,
serenos, pelo sereno da noite,
com a chave decodificadora
do apocalipse que urdem
vazando em nossos peitos abertos
e chacras despertos
até que eles virão e tacarão
fogo em nossos restos
no espelho da fogueira
que acenderá o pavio
dentro do próprio barril
de troia de pólvora
não colonizarei
pois não carrego a verdade
e nem anseio percorrer
os mares e enfrentar
os monstros abissais
no lombo de uma 4×4
alada e que fala com
os deuses astronautas
não, não colonizarei
não possuo a lanterna,
a luz, o fogo
a faca, a foice e a bala
se a dor do outro
é puro ardor adormecido
e não adentra
é porque a tua dor
é tão intensa que
nada além perpassa
e quando o corte for perpetrado
no invisível diário
não se assuste
lembre que você não foi
minha colônia
eu te acolho
Ando pela rua com uma certa altivez, querendo que a mensagem do “não vão me matar” se entranhe em seus poros, mas dentro, meu peito, deambula cabisbaixo. Oscilo horrores, entre uma gargalhada despropositada, um sorriso amarelo cujo único verde poderia ser algum resquício de uma alface que não quis ir logo para o estômago e um profundo silêncio, amargurado, tenso, ansioso, aflito. Falo pouco, e quando nesse pouco, explodo. Só não afasto mais pessoas porque a maior parte que ainda se achega está proximamente oscilante o tanto quanto.
Me persegue uma paranoia: esse é dele, aquela também, aquele ali, nem se fala, aquela se incomoda apenas com a minha existência. No meu prédio sinto a tensão em cima, em baixo, aos lados, todos dele. Taguatinga já teve seu charme, hoje é só um amontoado de pessoas amarguradas com algo que sequer sabem botar pra fora realmente e que se apegam ao discurso dele como se fosse uma verdade inaudita.
Às vezes ligo a tevê, o celular e o computador, tudo ao mesmo tempo, na ânsia por uma resposta, por um horizonte, uma indicação, uma orientação. É um mar de lama intrafegável. Noutras vezes silencio tudo e de dentro do escuro do vazio, algo morde o centro do peito, fisga a alma e tudo se apequena e meu espaço de ação se reduz a nada que não seja apenas uma prisão mental pela prisão que se vislumbra.
Penso em ir à reunião, penso que não conseguirei falar qualquer coisa, penso no compartilhar da tensão e na pauta se desvirtuando numa miríade de desconexões sobre o que fazer, penso que não há o que fazer, penso na nossa “vitória”, penso no próximo golpe, penso no instante em que começou tudo isso, penso em não pensar em nada.
Algo explode por dentro de nós, me parece. Algo explode por dentro de quem o admira, me parece. Peitos de pessoas explodem, cabeças explodem às garrafadas, pessoas se acuam, explodidas. São tempos de explosão e um meteoro nunca explode.
Antigamente, eu pensava que deveria ter nascido em 1940 para poder ter lutado contra a ditadura, agora estou eu cá, nascido em 1982, vivendo este 2018, simplesmente sem saber como lutar. Mandar vídeos, frases, fotos, curtidas, estar aberto ao debate, tentar debater, preso em minha bolha. O mundo foi me encerrando dentro de mim e eu fui me acomodando.
Quando escrevi minha dissertação em 2012 era para o mundo ter se acabado – pode até ser que o tenha ocorrido de fato, ainda não sei – e naquele momento eu vislumbrava que esse universo de proto conexões e de pseudo debates políticos em rede ainda estaria por se consolidar, no arremedo de um freak totalitarismo-liberal, sem lastro de fiabilidade alguma. Agora estamos cá, vivendo o previsto. E minha mente não para de pensar que o que virá será ainda pior. E eu não tenho a mínima ideia do que fazer com isso.
nada é igual
toda semelhança
não é fruto, fruta,
polpa, sumo, seiva
do outro
é a sua raiz
presa a um solo infértil
presa, há um predador estéril
onde estará aquela fluidez
das pessoas desamparadas?
hoje qualquer pele vira vício
e uma voz reticente: se você…
todo espírito vira mestre
e um treinador: se você…
onde andarão os desamparados
que vagavam sem esteios e estacas,
ávidos?
morreram nas próximas temporadas
e na cova das fábulas literárias
apregoados no campo aberto
por onde o vento segue em todas as direções
e amparados pelo próprio fim
Quando vem e somem
preguiçosas por mover a mão
ou esfumaçadas na semi-lucidez
da penumbra
Olhos cerrados
e as destemporizações
do inaudível
Os mais belos versos
dormem com meus sonhos,
inaudíveis além
Todas as interlocuções
alquebradas na alucinação
do princípio,
finalidade da realidade
Os cânticos urdidos
na esculhambação
embaciada dos horizontes
Só eu os ouvi
Mais que melodias
foram melanomas
manuseados pela mutação
do universo
a cada rajada
da artilharia dos céus
Silencia os sonhos
e só responde quando perguntado:
por que a verdade
é inimiga da realidade?
qual seu lado que fala?
fala?
escuta?
quando ouve o que vem,
vem? veio?
quando fala que timbre tem
a voz?
tem voz?
toca dentro, há tom?
é uma repetição
eco de algo sem identificação
sem rosto, tônus, boca, corpo
ou é visível, seu?
vem de montanhas
do peito
entranhas?
por que, então, senão, fala?
Andar por entre esse complexo de átomos é coisa que não depreende liberdade. Os signos tatuam um certo sentido de coesão. Coesão. O eletromagnetismo pós-gravitacional também. Tudo meio, canal, conducto. Conluio. Eu espero e não espero. A prisão de ficar bem, a cadeia de ficar zen, a masmorra de ficar mal, os grilhões de ficar caos. Cada aglomerado de moléculas é uma traição perceptiva. Todo embaralhamento mental cerebral é apenas manifestação desse ponto, desde aqui, que reflete o todo. Engodo. Sombra e luz como ângulos e adentros e porforas. A musculatura é reflexo do estado total, fleuma, fórmula doentia. Eu te espero no fim, ou seja, desde quando começou. Gametas mais gametas, produto não quisto, pau atravessado na buceta, entre líquidos viscosos de tesão e tensão, uma decisão e a coisa dada: existência. Talvez mais, talvez menos, mas do mesmo. Existe postulação mais carregada de fado? É sina. Liberdade não existe. Existir é momento, não escolha. Contínuo do universo. Com ti, nó, nu, de um e verso. Universe.
Era um vento constante. Não só vento, pois era mesmo uma ventania. Não parava. Começara num domingo de agosto. Fora uma lufada morna carregada de poeira vermelha. Quem a sentiu pela primeira vez, não se atinou de que ela não acabaria. Já havia três meses desde que o vento começara e não passara. Pouca gente percebia que a ventania era incesante, já havia algo de natural, afinal, naqueles tempos, qualquer desvio da normalidade entrava logo no rol do costumeiro. Mesmo Dona Eulália que passava pano na casa de hora em hora não tinha tomado tino.
A coisa foi se assomando no decorrer do tempo e do vento. Já não se sabia o que era um ou outro, pois que tinham ambos a mesma toada e o mesmo carregar, a poeira que se conduzia em ambos, por dentro de ambos e começava a cobrir tudo por ali. Como tanto quanto era ventania, além de vento, o próprio tempo que a conduzia ao se conduzir, ganhou outra tez diante da cara que já tivera. Era um transcorrimento avolumado, como o vento a correr. O tempo era o vento, e rápido, ganhava tudo, passava imperceptível e irreconhecível, mas veloz, mais veloz.
Poderia ser destino, tudo coberto pelo pó que vinha junto ao vento e ao tempo, mas não se conformava enquanto apenas e uma fina camada cobre ia tomando tudo, vindouro dilúvio de grãos. Dona Eulália já desistira inclusive dos artifícios da vassoura, espanador, pano sobre o pó e via apenas o tempo se aglutinando voraz junto ao pó que vinha com o vento. Sentada à cadeira de balanço de treliça de cordão, balançava na cadência de um tempo que passava como a constatação das dunas.
Afrânio também identificava que a poeira se acumulava ao largo de tudo. Ali no departamento já havia uma crosta de poeira, não mais uma fina camada. Sentado em sua cadeira de repartição, de frente ao computador, a crosta já atingia mais da metade da canela, nada o demovia ao estranhamento conquanto ainda houvesse a posibilidade de se locomover até o café, mas tudo se alinhava no transcorrimento do vento e do tempo, que mesmo o soterramento iminente não chocava nem afligia.
Quando a coisa vem num contínuo intenso, grave, rápido, mas travestido de normalidade, vento, tempo, tudo se capitula. Não há desentendimento, não há preocupação, só percepção, como as árvores sentem as cascas descamando a cada alternância entre a seca e a chuva, impávidas e existentes. Ou talvez não, talvez a impercepção é o que houvesse, como os autômatos que existem computando as esferas já programadas.
Só sei que naqueles dias de tempo e vento, em que tudo se encobriu de poeira, o que sobrou foi uma vida sussurrando sufocada, onde tudo se encobria, desatinadamente.
dissolvendo digitais
digitando digitanto
digerindo diagramas diagonais
displays distantes dentro
diametrais
dedos duros difamando
diferindo disparando
dharmas deletérios
deletando descomprimindo
dias demônios destemporais
destemperadas digressões
domadas dóceis demais
deduzimos dedos dízimos
dores de dados decimais
dados dados deliberados
delivery de dunas disponíveis
dispersos demais
Um corpo grato
aberto opaco, pedra difusa,
ranhuras externas
no semibrilho das lentes quebradas
Alquebrado, o corpo inerte,
reveste-o os próprios cacos;
parte nascida por ali
um pedaço made in Thailand
a junção axial restada alhures
visgo da águia reconhecido
nos tecidos ideológicos
do amor à violência
Digno de nota: o corpo se contrai
ainda passado trinta e duas horas
do dispositivo desligado,
ritmos cíclicos de dez em dez minutos
os dedos deslizam no éter
Massa lodosa à semelhança de
molho pesto receita tradicional
pilada à mão em pilão de pedra,
localizada na terceira interseção
de bílis – negra – e sangue pisado
– à direita do lóbulo inchado
intestinos adentro
Localizados dezenove olhos
todos aos pares
vesgados ao mesmo sentido central
umbílico, denota-se sensitividade
epigástrica morta
neste repositório – quente ainda
por ventura – desfuncionado por
gorduras trans e pans
Nenhum reconhecimento pátrio,
solo desgastado abaixo de um
rasgo de tecido amarelo canário
parecendo haver havido um músculo
involuntarioso sem ciclos ou ritmos,
parado desde antes do desligamento,
notável visualização
Todo o sangue ainda envolvente,
full hd vívido red and blue,
escorre sentido norte
motivo gravitacional plano
para onde vivente almejou
Algo coreano, passível pâncreas,
passivo duodeno, possível pulmão
resfolegado de fuligem
desindexada e livre cambiante,
possui uma bala israelense
terrificada como testemunho testamento
Muito pus, muito mesmo
não havia mais raízes,
só abcessos ancestrais
do proterozoico superior
diluídos por uma camada de
bacon, cheddar e gasolina
O odor dos órgãos ganhava o globo
Os ipês tão florindo na chuva
e os mortos enfileirados
cantam para Iku.
E eu amo Jorge, amo o cavalo,
amo o dragão, a espada e a lua.
Eguns comem pipoca de
canjica branca,
eu moro na roda dos coletivos
num agosto frígido,
cativo do coletivo morto
perto da feira que brota
novamente
revigorada e enramada
pela chuva de agosto,
rara,
que expele flores de ipês
aos solavancos de Oyá.
a pornografia dessacraliza o ritual
– os ritos eróticos mortos –
poda o processo imaginativo da fantasia
exacerba a expectativa
em desempenho e potência
a pornografia é uma escrita
na memória das horas que rasura
toda tecitura do gozo
destoca o elaborado do toque
desaproxima pela próxima do próximo toque próprio
a pornografia é irmã do moralismo
quantas vezes eu me estuprei?
ao me exigir uma potência inexistente
uma voracidade impalpável
e ainda assim ali
mente em estado fantasmático
corpo em modulação mecatrônica
igual à fábula pornográfica
ansiosidade meia bomba
a qualquer momento ele brocha
eu
só partes em animismo esquizoide
caçador de imagens meio afeto
meio objeto
eu
abjeto
nojo interno, bastaria um não:
não precisa, não agora, não
pelo dever composto
de dar substrato aos pelos
e à paisagem pélvica
morro testemunho do macho habitado
potencialmente inerosível
a lição do consentimento
inegavelmente vinda da outra
também tem de partir de mim a mim
quando desci até o profundo
havia uma disposição enramada,
em cada bifurcação mais uma
e só se avistavam bifurcações
qual das mil me levaria
eu deambulava em digressões
em cada ponto bifurcado
algo que transitava nos dois lados
e um cérbero cobrando do cérebro
um óbulo pela travessia
nada era fácil depois que minha face
havia se estampado no mundo
era preciso retomar o rosto
o contorno da minha imagem
as curvas que transpassaram os anos
e enrugavam ao solavanco dos outros
no profundo da superfície
qualquer jogo te diz quem você é
mas as sendas era múltiplas
e nenhuma era minha, eram marcos
onde eu perdi o trajeto
já não era possível o percurso
nenhuma visão se contempla espelho
quando a luz não vem de si
cada caminho era o calcanhar dos outros
que pouco intuíam do arrazoado
dos passos a serem dados,
apenas formavam faces com os pés
e os pés bifurcavam dedos e dores
que eu seguia no profundo da superfície
para
onde